Olhar Filosófico
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Toda vez que olhamos para algo ou contemplamos alguma situação, invariavelmente, emitimos um juízo de valor, ou seja se aquilo que está sendo visto e vivenciado é bom, mal, bonito, feio, original, trágico, cômico etc. De fato, como já pensaram e pensam muitos filósofos, não só o ato de julgar é inerente à condição humana, mas, também, automático e, até mesmo, instintivo.
Não deixa de me chamar a atenção a perspectiva das filosofias estoicas e epicuristas, por exemplo.
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Ambas as correntes filosóficas sustentavam, por caminhos opostos, que o pensamento e a ação mais próximos da felicidade ou do gozo pleno é a ataraxia, isto é, o estado de total ausência de perturbações, onde mente e corpo como que se fundem num fluxo de serenidade e tranquilidade frente a qualquer fenômeno, abalo ou paixão. Não é um estado de indiferença, em que nada importa pois em nada acredito ou, simplesmente, tanto faz, mas de consciência autocentrada num tempo de contemplação e entendimento de que tudo é passageiro, o tempo é relativo à nossa qualidade de vida e tudo é um, homem, natureza e universo. Se isso te fez pensar em teorias espiritualistas orientais, tudo bem, há uma relação possível, embora epicurismo e estoicismo sejam, realmente, escolas filosóficas e não religiosas ou místicas.
E se depois de pensarmos sobre essa nossa capacidade de julgar, sempre conduzida pela vontade refletida na consciência, tal qual um GPS, e que nos acompanha a vida inteira e, agora, refletirmos sobre os conteúdos que alimentam essa capacidade (ou maldição) tão originalmente humana? E se refletirmos, portanto, no bem e no mal?
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Não é de hoje, naturalmente, que a ideia de bem e mal povoam nossas mentes e nossas ações. Pelo bem e pelo mal nos matamos, pelo bem e pelo mal nos solidarizamos, pelo bem e pelo mal criamos deuses à nossa imagem e semelhança. Mas o que é o bem e o que é o mal? Não sei! Mas, vou aqui, arbitrariamente (risos), demonstrar uma das definições que mais me chama a atenção até esse momento de ser vivente em que me encontro. É a de Agostinho, o filósofo africano, bispo de Hipona que, assim como Machado de Assis, por exemplo, sempre nos fora representado como um europeu de pele alva e modos corteses, uma vez que pela inteligência, influência e legado, jamais poderiam ser vistos como eram, grandes pensadores de pele preta. Fogo nos racistas, sempre!
Pois bem, Agostinho (posteriormente alçado ao posto de santo) traz uma ideia belíssima do mal. Sim, do mal! Para o filósofo nascido em Tagaste (atual Argélia) e muito influenciado em sua adolescência pelo maniqueísmo, doutrina que afirmava serem o bem e o mal princípios constitutivos de todo o universo, o mal era uma ausência. Claro que para chegar a isso, Agostinho rompeu com as ideias maniqueístas e mergulhou na filosofia e na mística cristãs.
Nosso africano não concebia o mal com existência própria, com substância, muito menos como um monstro de chifres tomando o mundo, fundando igrejas e sequestrando o corpo das pessoas, mas como um movimento perverso da alma contra si mesma, levando-se a um afastamento de tudo que é bom, e tudo é bom! O livre-arbítrio, segundo ele, sendo a semelhança que sustentamos de Deus, era uma ferramenta que, também, poderia nos levar à soberba, fugindo ao controle do bom senso (ou iluminação divina, nas palavras dele) e se afastando da obediência à razão, esse traço central do caráter inscrito em nossa condição de criaturas entre criaturas.
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O mal jamais poderia ter sido criado por Deus, segundo o nosso filósofo, uma vez que com isso teríamos que, ao menos em tese, supor que Deus é bom e mau por natureza, sádico e impostor, negando assim, o fundamento último e original de toda tradição judaico-cristã. Assim, o sagrado seria profano e o profano seria um bezerro de ouro de nome “deus”, “César”, “Adolf” ou “Jair”.
Portanto, em Agostinho, o mal é como a escuridão, uma falta de luz por conta de um distanciamento do Sol. E na ausência de luz não há mais diferenciação entre pecado e graça, vício e virtude, violência e paz. O mal, é uma cegueira voluntária, onde olho e órgãos da visão funcionam, mas não enxergam, é a ilusão, a ignorância. Na natureza humana não há mal que se sustente, pois a vida é e está para a abundância da natureza como um todo, na beleza do universo que carece sempre de um nosso olhar sempre mais atento e sedento de alegria do fato de ser e estar.
O mal é sempre o devaneio de uma falta, aquilo que nossa vontade percebe como ausência. Ele é apego e medo, é âncora, não vela. Refletir e deixar-se conduzir pelo bom senso é a arma contra as necessidades supérfluas ou apego às coisas transitórias. Como tão belamente nos disse: “Desejar viver sem temor, não só é próprio de homens bons, como também dos maus. Com esta diferença, porém: os bons o desejam renunciando ao amor daquelas coisas que não se podem possuir sem perigo de perdê-las. Os maus, ao contrário, desejam uma vida sem temor, para gozar plena e seguramente de tais coisas, e para isso esforçam-se de qualquer modo para afastar todos os obstáculos que o impeçam. Levam então vida criminosa e perversa – vida que deveria antes ser chamada de morte”.
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Ou como resumiria magistralmente Raul Seixas: “0 ódio não é o real é a ausência do amor/No fim é um grande oceano, mãe, filho e luz/As trevas da noite assustam escondendo o segredo da luz!/Da luz que gargalha do medo do escuro/Que é quando os meus olhos não podem enxergar!/Dia , noite,/Se é dia sou dono do mundo e me sinto filho do sol/Se é noite eu me entrego às estrelas em busca de um farol/Estrelas, estrelas,/As estrelas elas brilham como eu.”
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