Olhar Filosófico
Continua depois da publicidade
Um dos princípios básicos para se detectar um erro, é apontar a parte afetada por ele. E Friedrich Nietzsche (1844-1900), o mais bigodudo filósofo alemão do século XIX, conclamará a juventude, essa parte atingida em cheio pela decadência cultural alemã, para fazer um autoexame de consciência e ação na tentativa de se estabelecer alguma esperança de futuro através da extirpação do mofo educacional dessa decadência, qual seja, a prepotência ignorante de se estabelecer a história pela história, a pátria pela pátria, a família pela família, o blá blá blá pelo blá blá blá. Gritaria ele, ousemos destruir para construir e “é preciso ser jovem para compreender o sentido deste protesto, e, tendo em conta a velhice antecipada da juventude atual, é difícil ser bastante jovem para adivinhar contra o que é que se protesta aqui.” Qualquer semelhança com a realidade é fato!
Nietzsche, portanto, detectou um problema fundamental que, segundo ele, necessitava urgentemente ser sanado e transpassado. Para que a vida saísse beneficiada, não bastaria derrubar ou desconstruir a moléstia que a assolava, mas, principalmente, era preciso adequar o campo para o surgimento de uma nova cultura, de um novo destino em construção. Uma nova cultura livre e inspirada (apenas isso!) pela plasticidade do pensamento dos gregos, entre os poetas, os trágicos e os filósofos pré-socráticos. Um pensamento, por excelência, vital e dotado de toda uma potência realizadora e avidamente criadora de sentidos e possibilidades.
Continua depois da publicidade
A crítica nietzscheana atinge o seu alvo e seu auge ao mostrar um horizonte suspenso a toda juventude alemã e de todos os cantos do mundo. Ele sonha um grito universal. Um horizonte que só se realizará como finalidade, através de muito combate, num caminho árduo e doloroso, porém, o único caminho da salvação do espírito juvenil que fundará um novo sentido de futuro, capaz de inaugurar um novo destino além de qualquer nação, apesar dos seus limites possíveis.
Nietzsche deseja isso profundamente em contraposição aos ensinamentos de sua época, a cultura sem sentido de seu tempo. Diz ele, “pensando na juventude, grito: Terra, terra! Já basta de procura apaixonada e de erros, de viagem por sombrios mares desconhecidos. Aparece terra firme. É urgente acostar, seja qual for a costa; o abrigo do mais miserável porto de acaso vale mais do que ser atirado para este infinito de ceticismo e de desespero. Primeiro acostemos, encontraremos depois os portos favoráveis e havemos de facilitar o desembarque aos nossos descendentes. Navegação perigosa e emocionante!” Mapas do acaso, diria hoje Humberto Gessinger, “ninguém sabe do que depende!”.
Continua depois da publicidade
A juventude não há de pedir trégua em sua batalha. A batalha vital de todos os tempos, de onde uma nova geração determinará a nova e eterna verdade, a de não haver verdade alguma, para uma cultura digna de se tornar tradição e jamais de conservadorismo, digna de continuidade e jamais de saudade de um tempo que não era para ter sido, aquele passado em movimento retrógrado. Sobre esses jovens que cobrarão mais da vida “... os outros poderão considerá-los, por enquanto, apenas como vasos fechados e vazios; até que, surpreendidos, vejam com os seus próprios olhos que os vasos estão cheios e que essas generalidades continham e concentravam nelas ataques, exigências, instintos vitais e paixões que não podiam estar escondidas por mais tempo.”
A perspectiva radical que Nietzsche sugere à juventude, está no desfazer-se do pensamento filosófico Moderno, Iluminista pouco iluminado, em que a figura de Descartes, emblema do início desse tempo, perde seu sentido para um transformar nietzscheano da sua célebre constatação, “Penso, logo existo” em “Vivo, logo sou.”
Para o bigodudo alemão e sua juventude, repito junto um poema antigo: “Permito-me/ Tentar ser meu/ Próprio cidadão da Terra criada por mim/ Em que agora um Sol/ Nasce e se queima em/ Acompanhar-me, e não Cessa.” (“Poema IV”).
Continua depois da publicidade