Olhar Filosófico
Continua depois da publicidade
Se Nietzsche (1844-1900) precisava encontrar uma “cabeça” para ser atacada e, ao mesmo tempo, ilustrar, justificar e fundamentar sua crítica a todo ideário alemão inadequado e risível, acha-a em Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), nada mais nada menos do que a última palavra em filosofia no auge da Alemanha Moderna (e um dos maiores nomes do pensamento ocidental de todos os tempos). Aliás, essa é uma das notórias características nietzscheanas, buscar os maiores expoentes para a crítica no campo em que se dá sua batalha. Já em sua primeira “Intempestiva” (ou “Consideração Extemporânea”) – David Strauss Crente e Escritor, Nietzsche criticara com tanta ferocidade a cultura alemã sob a figura deste escritor, representante, segundo nosso filósofo, da nata do “filisteísmo cultural”, que, com dois meses após a publicação desta obra e em função do falecimento de Strauss, levou-o a crer ter sido ele quem de fato o matara e, devido a isso, por muito tempo relutou em criticar a mais alguém.
Continua depois da publicidade
Friedrich Nietzsche tinha razões (inclusive sentimentais) para ser contrário a Hegel, ter o mais profundo ranço a esse tão admirado filósofo (que morrera 13 anos antes do seu nascimento). Outrora, Arthur Schopenhauer (1788-1860), que escrevera “O Mundo como Vontade e Representação", obra que despertou radicalmente Nietzsche à filosofia, teve uma grande desavença pessoal (segundo a ótica de Schopenhauer) com Hegel, seu contemporâneo. Este, com suas idéias filosóficas revolucionárias já para a época, caíra nas graças da mais alta intelectualidade alemã, francesa e ocidental, sendo, até mesmo, convidado a lecionar na Universidade de Berlim, trazendo consigo a atenção e a grande maioria dos alunos alemães. Em suma, Schopenhauer, além das suas ideias, também perdera (segundo sua perspectiva) seus alunos, sua tão sonhada platéia, às investidas de Hegel. A filosofia hegeliana, era, agora, uma espécie de “nova lei” entre os alemães esclarecidos
Schopenhauer levou todos esses fatores para o campo pessoal, do ranço (dentro dos limites filosóficos [risos]), e seu orgulho ferido fizera com que chegasse a dizer, até mesmo, que entre Kant (1724-1804) e ele nada se havia produzido em filosofia na Alemanha. Enfim, vê-se, portanto, que não eram só as ideias de Hegel que incomodavam Schopenhauer.
Continua depois da publicidade
Para se entender melhor onde se enquadra Nietzsche nessa briga de dois filósofos que não chegou a conhecer, é, num primeiro momento, resumido no seguinte comentário: Nietzsche amava o que escrevera Schopenhauer, e pensava, assim, amar a própria figura que ele fora. Antes do contato com a sua filosofia, esse foi o grande preponderante para Nietzsche criar um grande desprezo por Hegel.
No que diz respeito às ideias hegelianas, tem em mente, Nietzsche, uma crítica recheada de ironia e desprezo. Não acreditava a qual ponto os alemães haviam dado crédito a tal qualidade de filosofia. Uma filosofia que se baseava, segundo ele, num tal processo ideal, universal e absoluto, uma “muleta mística e idolátrica” onde o “tempo presente” seria interpretado e plenamente compreendido como o resultado mais acabado e perfeito em relação a tudo que se produziu no passado. Era triste e paralisante os pensadores dessa modernidade considerarem-se os filhos tardios da totalidade dos tempos. Ocorria, assim, por meio do hegelianismo, segundo Nietzsche, uma divinização daquilo que aparecia tardiamente a todos nós, sujeitos históricos, como sendo o sentido e o término de toda evolução passada. Com essa idealização do momento presente, os alemães se habituaram, nas palavras do nosso filósofo de farta “bigodeira”, “... a falar do ‘processo universal’ e a justificar o seu próprio tempo como resultado necessário desse processo; como consequência, instalou a história no lugar de todas as outras forças espirituais, arte e religião, como senhora exclusiva, na medida em que ela é ‘a idéia que se realiza por si’, a ‘dialética dos gênios nacionais’ e o autêntico Juízo Final.”
Esta história (feita à maneira de Hegel) com sua capacidade absurda em abranger num “sentido” delimitatório e “justo” todas as coisas, da natureza ao gosto mais íntimo, fizera com que o próprio Deus, embora dado como o ativista da história, não passasse de mais uma das suas criações. Hegel conseguiu a proeza de tornar a história rainha de todas as coisas, e, sendo ela dona de tamanho poder, todos os homens são apenas os seus servos, de vontade e liberdade já delimitadas e definidas. Assim, qualquer poder por ela se justifica, seja do Estado, de uma liderança ou de um povo em frenesi histérico e acéfalo, pois, segundo Nietzsche, se “qualquer sucesso é devido a uma [suposta] necessidade racional, se qualquer acontecimento é uma vitória lógica ou da ‘Ideia’, então ponhamo-nos de joelhos perante toda a espécie de sucessos.” Ou seja, é a morte do indivíduo, da liberdade, da criatividade, da ciência e, segundo nosso cáustico pensador, de toda a Vontade de Poder que nos anima e nos molda por meio dessas características!
Continua depois da publicidade
A cada momento, portanto, tem-se o capricho da ideia dado em suas formas cada vez mais depuradas. Nietzsche para, pensa e dá a Hegel e “seu povo” o título de “theologus liberales vulgaris” moderno. Será que era mais o ranço ou as razões filosóficas a falar pelas veias de nosso filósofo? Talvez, no próximo programa da Ana Maria Braga, tenhamos a resposta definitiva, enquanto contemplamos grandes atores e atrizes rindo convulsivamente entre um brioche e uma fofoca…
Continua depois da publicidade