Olhar Filosófico

Nas escolas, o esgotamento pedagógico

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Há mais de três anos, escrevi nesta mesma “bat coluna” sobre as “três pestes” que se fariam presentes em nossas escolas no pós-pandemia. Lembro-me que alguns colegas, de fora da educação, me alertaram do tom pessimista daquelas linhas. Afinal, as crianças estão mais conectadas, com a “cabeça aberta” e as famílias entenderam um pouco mais da importância do professor, uma vez que não conseguiram ajudar minimamente os seus filhos em casa, “tanto que a gritaria pelo tal do “homeschooling” parece ter caído por terra.” (Obs: É importante salientar que durante toda a pandemia, mais da metade dos alunos das redes públicas não tinham acesso à internet, contra noventa por cento dos alunos das redes privadas).

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Sobre as “três pestes”, portanto, disse eu que seriam o ISOLAMENTO (nossos alunos trariam infinitas marcas dos períodos mais críticos da pandemia, desde famílias que se descobriram que eram só um amontoado de gente que viviam sob o mesmo teto até a dificuldade para refazer ou criar novos laços no mundo não-virtual); a DEFASAGEM ESCOLAR (o mais notório dos efeitos do período domiciliar da pandemia, onde nossos alunos e seus familiares viram na prática que a escola e seus educadores também ensinam como estudar e não só o que estudar) e a VIOLÊNCIA (uma bomba que no Brazil com Z já era, além de tudo, estimulada pelas maiores vozes da republiqueta do ódio, e está mais presente na escola com a máscara da autossabotagem, do bullying e da briga física. Nossos alunos extravasando as insatisfações e as indecisões por meio de um corpo que se desenvolve, reflete com dificuldade e clama por amparo e afeto).

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Dito isso, há dois anos, escrevi um outro artigo na sequência dos mesmos assuntos, agora sobre aquilo que chamei de três transferências (“Doc, Ted e Pix nas escolas”) que chegaram ainda mais fortes, com as famílias e suas supostas cobranças por “qualidade de ensino” aos seus filhos. E tudo mudou para continuar piorando. E com toda licença e cansaço que me coube, vale lembrá-lo na íntegra. Pois, ao final, quem fará o saque de tanto depósito?

Primeiro, o DOC, aquela transferência no “atacado” que a família faz à escola, no sentido de mostrar aos educadores e sua gestão pedagógica que se preocupam com os seus rebentos, mas espera do colégio a educação plena (de corpo, alma e “Deus me livre”) dos seus meninos e meninas. É uma transferência do tipo que diz não querer dizer o que a escola deve fazer pelos seus filhos, mas deixa implícito que é fiscal de acusação se algo sair como não quer. É uma transação em formato DOC, pois demora, mas uma hora vem nos devorar a todos que não corresponderem aos seus desejos. É característica de famílias que descontam na escola a frustração de não conseguirem colaborar integralmente na educação dos filhos.

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Segundo, a TED, aquela transferência no “varejo” que a família faz à escola, no sentido de mostrar aos educadores e sua gestão pedagógica que dia a dia cobrarão atitudes cada vez mais rígidas aos filhos dos outros enquanto negociam vantagens para os seus pequeninos. É uma transferência do tipo que garante que não quer fazer a defesa do filho, mas, os colegas e educadores o perseguem o tempo inteiro. É uma transação em formato TED, pois vem a curto prazo, muitas vezes no mesmo dia em que seu santo menino fofocou alguma invencionice que virou verdade nos ouvidos daqueles que já premeditavam acusar. É característica de famílias que levam ao contexto escolar a necessidade de demonstrar o que em suas casas não acontece,  ou seja, que são os melhores e mais presentes pais (e educadores) a defender a cria num ambiente hostil, chamado sala de aula e hora do intervalo.

Terceiro, o PIX, aquela transferência direta, diária e acusatória que a família faz à escola, no sentido de mostrar até às tintas das paredes, que se o seu filho não for doutrinado como a família deseja, acusará, paradoxalmente, a escola de doutrinação. É uma transação em formato PIX, pois vem imediatamente e recheada de raiva e necessidade de “sangue” e “justiça com as próprias mãos”. É característica de famílias que alienadas às responsabilidades básicas que lhes competem,  elege inimigos novos para justificar o de sempre, intimidação e desafeto para o preenchimento de toda a sua falta de empatia e, vejam só, educação.

Por fim (e de novo), devo dizer que ainda sustento essas ideias não para ironizar esses “tipos familiares” (que formam uma minoria bruta e barulhenta) e inocentar práticas educativas ruins e péssimas quando essas ocorrerem, mas para alertar a todas e todos envolvidos com a educação que se não nos entendermos e criarmos uma via de mão dupla de responsabilidades e competências diferentes, faremos da prática educacional um octógono de vale tudo, onde só restará às escolas separar brigas e conter as armas.

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É o que queremos? É mesmo o que queremos? Eia! Pois ainda vai piorar mais um pouquinho, só mais um pouquinho…

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