Olhar Filosófico

Não espere por mim

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O cansaço do dia. O suor da madrugada. O sonho retido na retina que não se sabe se de fato ou alucinação. E não espere por mim. Saí para caminhar no espaço, habitar planetas solitários e sentir a atmosfera do sol.

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Amanheci mais tarde. Virei os olhos e não tomei o copo de água que me foi dado, dádiva. Entrei no refeitório lunar e esperei pelo serviço. Nada. Percebi a pá que, junto da mesa suspensa, parecia aguardar meu trabalho. Cavei buracos e não cheguei ao fundo, pois tudo flutuava como lençois ao vento dos setembros. Não morri e me alimentei de rochas marcianas que ainda guardavam águas de um outro tempo universal. E não espere por mim.

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Não entendo ainda o que não sei se deveria entender, mas arriscar. Joguei um dado com o destino e tirei o número dois. Estranhamente andei uma casa e não avancei mais do que um lugar previamente demarcado. No caminho em que não esperava por mim, encontrei um ar rarefeito e uma sensação de peso nas pernas. Usei sanguessugas para drenar o sangue passado do meu coração e incorporar o medo futuro no meu sentimento.

Não espere por mim, pois ando cabisbaixo chutando estrelas no chão e olhando o mar a partir dos olhos vesgos de Poseidon. Costurava uma aliança com um deus hindu e não tive tempo de olhar as horas, mas acredito que fui perdoado pelos gorilas, pelas leoas e pela tempestade que se aproxima. Não sou surrealista, tudo que sinto é real, tudo que vivo é para ontem, tudo o que peço é uma dúvida clara e uma reflexão para mais um dia do amanhã. E dou as mãos a muitos seres como eu. Muitos.

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Não quero atrapalhar o trânsito ou ser lido pelos cegos da torre, mas preciso respirar o pó da estrada que se chama destino e solidão. Tenho a pele mais avermelhada (na maioria das vezes) e mudanças bruscas de tom. Às vezes, sou azul ou nuvem, às vezes um ponto e alguma falta de sentido. Não espere por mim. Antes preciso dizer ao seu ouvido que estou bem, mas caminho no escuro em que todos se encontram mas disfarçam tendo empregos e sistemas. Tendo empregos no sistema. No esquema. Preciso então gritar no seu ouvido que eu não. Assumo o risco, assumo o tema, assumo a fórmula mágica da agonia e desespero, mas que me desculpem, essa liberdade não tem preço. Ou vou ou racho e não espere por mim.

Sempre apareço no mesmo cenário que um líquido amniótico me toma por inteiro. Uma célula se aproxima e não agrega o organismo. E sigo simbiótico numa mistura de sentimentos e flores, e abelhas e tigres, e cães e pombas. Por ora, novos contextos no mesmo sentido, novas batidas no mesmo tambor. Tudo retorna sendo o mesmo e novamente digo sim, sem medo. Sim àquilo que necessito, sim ao cargo de imperador da alta esperança. Desavisado, não olho para o lado, não percebo os olhos sobre mim, na verdade, nenhum olho sobre mim. Espero aos pés do Olimpo uma visão semidivina, semiprofética, semicircular ou ainda em linha reta. Não espere por mim. Sou mais do mesmo. 

Quero andar ainda um tanto para chegar no horário de até quando. Difícil não dizê-lo, mas sigo quase mudo e quase tranquilo. Não fosse o quase estaria em outra toada, em outro momento. Sigo contra as placas que apontam para todos os lados e não levam a lugar nenhum. Submisso à vontade, sento também de vez em quando esperando a curva do caminho. Não pego atalhos ou invento novas canções. Canto as vibrações da terra, piso nas poeiras das correntes marítimas. Voo acima de minha cabeça e me olho às vezes de soslaio. Ainda estou de pé. Ninguém de fato ao meu lado. Faltas que preenchem um vazio e aumentam meus pés. Respiro fundo. Tenho chumbo nas mãos. Mas não espere por mim.

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