Olhar Filosófico

Morrer de fome, tiro, agro ou bíblia

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Para as velhas formas de morrer, existem sempre novas formas de matar.

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Com exceção dos moradores e herdeiros das coberturas blindadas dos clubes de investimentos, aquele que não estiver sentindo o perigo da morte indigesta da fome, imediata do tiro, lenta do agrotóxico e gradual da alienação religiosa, arrisco dizer que não (sobre)vive no Brasil de hoje.

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Sendo pobre, negro, índio, gay, lésbica, trans e mulher, então, a sensação é de todas essas formas juntas e misturadas.

Os brasileiros de quase (palavra-chave!) todas as camadas sociais vêm morrendo “a toque de caixa”, expressão atualizada entre nós em sua integridade, aquele tambor usado pelos chefes militares para comandar seus pelotões e marchá-los para matar, pilhar, combater.

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Elegemos a morte como signo de poder! E o mais paradoxal é que a ideia óbvia e central que nos leva a escolha convicta de um governante, independentemente, num primeiro momento, de visões ideológicas de mundo, é a defesa da vida. Até nas “cartilhas” da hipocrisia liberal, a defesa da vida aparece como primeiro recurso de direito, uma vez que ela é a nossa primeira propriedade.

Pois bem, como disse, a ideia central e óbvia (até inconsciente) por um representante, é a defesa da vida. Eis que há alguns anos, parte dos brasileiros, por “defeito de informação” ou desvio de caráter, resolveu inverter o jogo e apostar naquele que, desde o princípio, tecia loas à morte e dela recheava os seus discursos desarticulados e repletos de ódio.

Publicamente machista, misógino, xenófobo, homofóbico, racista etc., sempre foi muito claro e objetivo nas afirmações em que sustentava todos os seus juízos preconceituosos ou fomentadores de crimes: como ao dizer a uma mulher “só não te estupro porque você é feia”, ao defender que mulheres devem ganhar menos, ao sugerir bater em filhos homossexuais para que se endireitassem como machos, ao afirmar ser promíscua uma mulher por ser negra, ao defender e exaltar a tortura, ao desejar uma guerra civil no país, ao chamar de escória os imigrantes vindos de países mais pobres, ao calcular o peso de negros por arroba, ao defender o golpe militar e seus torturadores e lutar contra a democracia diuturnamente, ao premiar militares expulsos da corporação, presos ou envolvidos com milícias, ao desejar se livrar e matar opositores em geral, ao afirmar que usava dinheiro público para “comer” gente, ao andar e fazer-se notar com neonazistas ou ao ter a vida sempre envolvida em falcatruas com todos os filhos e familiares colocados na “carreira” política.

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É claro que não foi do nada que apareceu a repugnante figura. Fabricadas as condições políticas e jurídicas no país, pelas mãos de banqueiros (sempre!), rentistas estrangeiros e uma “elite” econômica pobre de cultura e cheia da grana, a maior parte dos meios de comunicação embarcou com interesse, força e conscientemente na ideia de elegê-lo e fizeram o trabalho mais impensável por qualquer pessoa que se considere civilizada, qualificaram provas claras, criminosas e públicas que o desabonavam até como cidadão, como um “jeitão de ser”, ou como disse um “filósofo” da Faria Lima, “um tiozão do churrasco”, ou, ainda, como ficou conhecida a expressão de um dos seus “patrocinadores” em nível nacional, “Ah! Desagradável”, seguida de risadinhas e entretenimento para as segundas-feiras em horário nobre ou aos domingos com mulheres exploradas a rebolar sua nudez.

Fato é, a desigualdade social segue sendo a chave do programa ideológico do capital efetivado pela insaciável mão (nada invisível) da extrema-direita (fascista ou liberal), trituradora de gente, liberdades e utopias. A desigualdade é o centro nervoso produtor do morticínio e, por isso, o aparecimento sazonal dessas figuras, para manter e fazer valer a força dos privilégios e dinamitar os direitos coletivos. Assim, morrem, também, as democracias contemporâneas.  

E como no videoclipe “Thriller” do rei do pop, mas ao invés de covas e tumbas, indivíduos saídos do limbo da história civilizacional, como pistoleiros tomaram uma nação, cuspindo vírus, plantando gado, florescendo balas e atirando bíblias.

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E se ainda hoje nos perguntarmos assustados “como chegamos ao estado em que nos encontramos?”, lembremos, uma vez eleita a indigna figura, a barbárie já havia vencido e o fato estava consumado.

Estamos sob o sinal da morte, mas a vida sempre haverá de reinar!

Deixe estar, a história popular é implacável.

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* Diego Monsalvo, professor de filosofia e escritor

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