Olhar Filosófico
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Já em sua obra de juventude, “A origem da tragédia no espírito da música”, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1884-1900), na tentativa de explicar e buscar a narrativa mítica grega como revitalizadora dos seres humanos e suas identidades,
criticava o sentido histórico ao qual foi posto o mito pelos historiadores modernos (burocratas da cultura que herdamos hoje), quedando-se paralisado numa leitura inautêntica porque, “...é o destino de qualquer mito paulatinamente esconder-se na estreiteza de uma pretendida verdade histórica e ser tratado, em alguma época posterior, como um fato isolado e único com pretensões históricas”.
Essa maneira de descaracterização peculiar de tudo aquilo que promove o viver (e o mito em suas narrativas exerce esse papel), diz respeito àqueles que Nietzsche denomina como servidores da verdade. Tais servos, devido à fraqueza de suas
vontades, autenticidade e julgamentos, procuram o conhecimento estéril e puro (esse absurdo), isto é, aquilo onde não há qualquer acréscimo necessário a uma vida plena, tornando-se assim, pretensamente imparciais. O conhecimento adquirido
por esses homens, contaminou todo processo educativo do Ocidente Moderno, mostrando-se como arma mortífera à cultura, pois não promove qualquer unidade de estilo e autenticidade (suas características originais).
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Nietzsche mantém, então, os olhos apurados, atentos ao devir (o vir-a-ser, a transformação constante das coisas), são como duas lupas a detectar, como um detetive meticuloso, as atitudes do homem moderno de sua época que, segundo
nosso autor, encontra-se em decadência. Percebeu-se que tal homem está fixo numa atmosfera abstrata, efeito resultante da dualidade entre forma e conteúdo, exterior e interior. O intelectual da modernidade já está, portanto, desconectado da vida, não liga nem trava uma correspondência entre ela e o seu conhecimento, com base no contraste entre aquilo que traz no íntimo (que não corresponde a nada de exterior) e aquilo que está no exterior (que não corresponde em nada com seu
íntimo). Não conseguindo desfazer-se dessa incoerência, fugiu para o que se denominou objetivismo, ou seja, um mundo “contrário” ao que é subjetivo (o que é próprio da força perspectivista, autêntica). Não há, nesse mundo, mais personalidades criadoras ou algo que, ao menos, as suscite, pois, “...do momento em que as personalidades se esvaziaram (...) e foram reduzidas a uma impersonalidade eterna, ou, como é costume dizer à objetividade, nada mais pode agir sobre elas. Aconteça o que acontecer no campo da ação, da poesia, da música, o homem culto, esvaziado interiormente pela cultura, despreza a obra e informa-se sobre a história do autor.”
Essa objetividade é o modo dos historiadores modernos justificarem seus meios de fazer história, onde, ao interpretarem um acontecimento, dizem não serem atingidos pelos seus efeitos. Em outras palavras, podemos dizer que tais historiadores (os eruditos da época e influenciadores da nossa) julgam, dessa maneira, possuir o ideal da justiça ao descreverem os fatos, que significaria o mesmo que dizer total pureza e neutralidade. Assim sendo, o passado se ajusta à régua do momento onde a “reta justiça” se encontra “sem nenhum interesse” subjetivo para delimitá-lo.
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Nietzsche vê nesse pensamento uma tentativa ousada, no sentido negativo, “... de fazerem crer num estado estético em que o sujeito se torna silencioso e invisível.” E, ao se tratar de, “...evocar o que há de mais alto e mais raro, a indiferença afetada de que se faz gala, a arte de tudo explicar de modo anódino e prosaico, são simplesmente revoltantes, pelo menos no caso em que é a vaidade do escritor a inspirar esta indiferença que quer passar por objetividade.”
Se olharmos para a cultura da imagem, da propaganda, da produção de conteúdo a todo custo e dos influenciadores de tudo e todos, parece que Nietzsche possui certa razão, “ninguém mais ousa ser ele próprio, todos trazem máscaras, disfarçam-se de homens cultos, de poetas, de políticos.”
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