Olhar Filosófico
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O filósofo de causas perdidas que me tornei, fez-me um pensador dialético desde o momento em que passei a analisar a natureza, a sociedade e a mim a partir desse conceito importantíssimo de totalidade. Ou seja, há uma ambição em meu agir e meu pensar, dentro de minhas limitações, é claro, de buscar entender o mundo enquanto um todo interligado pelas mais diversas forças materiais e simbólicas que o compõem, do magma que governa o subterrâneo à beleza celeste da Mesquita Azul, dos meteoritos que solidificam as forças astrais aos meandros do pensamento primordial que nos consome, da cidade dada à luz às raízes das plantas fincadas no solo do tempo.
E acredito que você, leitor, em alguma medida, já deve ter ouvido falar sobre esse tal método dialético de análise da realidade. Pois bem, tenha um pouco de paciência na leitura se porventura “sentir” que exagero neste artigo-convite, bem introdutório sobre o tema, mas não posso abrir mão de um rigor histórico-filosófico sobre o assunto.
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A dialética, enquanto conceito, iniciou-se mais como uma ação resultante de uma visão de mundo muito peculiar do que como um método. Embora Parmênides de Eléia, filósofo grego do período pré-socrático, um dos tantos pais do pensamento Ocidental, a tenha usado como uma dinâmica discursiva na divisão de sua categoria de conhecimento na definição do mundo do Ser (aquilo que subjaz naquilo que se mostra, da ameba ao humano, do caos ao cosmos), o mundo da Permanência, do Real propriamente dito, em contraposição às ilusões dos sentidos que nos guiariam às sensações fugazes, contraproducentes de conhecimento sob a perspectiva lógico-matemática, foi outro pré-socrático, Heráclito de Éfeso, quem a utilizou já como uma categoria metódica de entendimento (ainda que incipiente), ou seja, interpretando toda a natureza sob uma perspectiva objetiva e racional que evidenciava o mundo, sempre em movimento, como resultado da harmonia dos contrários, desde o quente-frio, matéria-forma, macro-micro etc. Caberia, segundo ele, ao logos (a inteligência entendida num conceito mais amplo do que como delimitamos hoje) perceber e entender na dialética, a tensão real por trás da ordem aparente de toda physis (para os gregos, a natureza em sua amplitude). Ou, como se diria na linguagem pré-socrática, o Caos (desordem) que constantemente gera o Cosmos (ordem possível). Portanto, iniciando-se com Parmênides e Heráclito (séc. VI - V a.C), a concepção de dialética se consolida e se transforma como um novo método de conhecimento em Friedrich Hegel (1770-1831) e, a partir das ideias deste, em Karl Marx (1818-1883).
Foi em Hegel, esse grande pensador alemão, que pela primeira vez, numa tentativa lógico-dedutiva de explicar sistematicamente a unidade de todas as coisas ditas Reais, deu-se a ideia de identidade enquanto princípio dos opostos (tese-antítese); esta, por sua vez, posta no movimento (constante) da realidade produziria, fatalmente, a identidade congruente, unificada (síntese). Em Hegel, como nos diz o professor Francisco Pereira Nóbrega, o movimento dialético como o único meio de se apreender o Real enquanto forma e conteúdo vai do abstrato (como substrato ideal) ao concreto (como contradição aparente). Sua dialética é espiritualista, idealista e o meio analítico de afirmação das (supostas) Leis objetivas da realidade.
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Karl Marx, por sua vez, faz da dialética, além de uma proposta de análise, como propõe Hegel, um método científico à transformação da realidade. Segundo Marx, a dialética nos impulsiona para o âmago, para a raiz dos acontecimentos, de tal forma que somos obrigatoriamente defrontados com as contradições e, nelas agindo, nos compreendendo e compreendendo-as, podemos assumi-las e transformá-las por meio de práticas revolucionárias.
Portanto, a dialética mostra-se assim, envolvida por uma práxis, como uma ontologia (afinal, constata-se o ser do movimento na própria materialidade do real e produzido em cada consciência humana que se constrói no e com esse mesmo real) e um método (pois é o caminho da análise ao entendimento e transformação mais atenta da mudança de todas as coisas), de forma unificada e constante com vistas à materialidade do possível e à história no desejado, principalmente do humano, a natureza consciente que, ao transformar o mundo, transforma-se a si mesmo. Como nos diz o maior filósofo latinoamericano da educação, Paulo Freire, é fato primordial para o nosso entendimento que “...a realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso.”
Enfim, tal qual o límpido argumento dialético do professor Dermeval Saviani, “não se age primeiro, depois se reflete, depois se organiza a ação e por fim age-se novamente. Trata-se de um processo em que esses momentos se interpenetram, desenrolando o fio da existência humana na sua totalidade. E como não existe reflexão total, a ação trará sempre novos problemas que estarão sempre exigindo a reflexão; por isso a filosofia [como esse saber de interpretação e ação de mudança das coisas] é sempre necessária e a ideologia será sempre parcial fragmentária e superável.”
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E você, caro leitor, já se descobriu um ser dialético? Então, vamos de cinema e escute comigo as palavras de Morpheus diante do temor de Neo frente aos artifícios da Matrix: “Deixa-me então dizer-te porque estás aqui. Vieste porque sabes alguma coisa. O que sabes, não consegues explicar, mas consegues senti-lo. Sentiste-o toda a tua vida, a sensação de que há algo errado com o mundo. Não sabes o que é, mas está lá como uma farpa na tua mente, deixando-te louco. Foi esta sensação que te trouxe até mim. Sabes do que estou a falar?”
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