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A África (vista como um país e não um continente) aparece quase que exclusivamente como contributo de mão-de-obra ao mundo europeu Moderno, desenvolvido e civilizado, tamanha "certeza histórica" da maior parte dos livros e sites didáticos que ainda hoje habitam nossas terras. E, digna de pena e não de história, se encontra presa a um passado dado como determinado por paisagens naturais, selvagerias e escravidão endêmica.
A violência de tal narrativa é tamanha, que só pode ser equiparada ao silêncio criminoso frente ao maior genocídio de que temos notícia em terras colonizadas pelo “bom senso”, o genocídio da população indígena de toda a América, sobretudo, o ocorrido em sua parte mais ao Sul.
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As imagens africanas escolhidas a dedo e reproduzidas sob medida para habitar nosso imaginário ideológico, dizem respeito, antes de tudo, à sua geografia tortuosa e naturalmente hostil à formação de qualquer espiritualidade civilizacional.
Suas manifestações artísticas se resumem a uma arte animista, rústica e ultrapassada pelos elevados padrões europeus, porém, exótica em sua essência e passível de crédito se descoberta numa releitura feita por um ibérico, saxão ou gaulês (mas não eslavos, diga-se de passagem, europeus de “segunda classe”).
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Sua história apolínea, saída das trevas e cantada em verso estrangeiro, se resume como um todo à anexação de seu continente à Europa, ação essa que aparece, tal qual uma tragédia renascentista, como um mal necessário ao desenvolvimento único e possível de toda gente africana.
Tal descontextualização assume características absolutas diante de conceitos “sociológicos” europeus, ou seja, se de acordo com a tipologia social europeia ocidental tribo (made in África) significar atraso de formação social, será; se reino (made in África) é entendido como dominação corrupta e ditatorial de um rei frente aos seus súditos, será; se império (made in África) é visto como imposição de uma nação a tantas outras, será; e se aquilo para o qual não há conceito europeu possível para explicação, explicado está.
Tudo parece se resumir ao “complexo de Indiana Jones”: temos uma civilização plural e multifacetada, riquíssima em cultura, mas, por sua incapacidade intelectual inata, precisa do estrangeiro sábio, altruísta e diligente para revelar-lhe seus valores, suas belezas e seus tesouros, transformados magicamente em riquezas extranacionais, maravilhas da humanidade inteira, prontas para serem expropriadas e expostas no Louvre ou vendidas a um magnata da Nova York americana que leva no coração o imperativo ético de Bob, the builder: Can we fix it? Yes, we can.
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Contextualizar a África a partir da África, a partir de cada país e cada povo que a compõem é a tarefa primeira de educadores e historiadores comprometidos com o objetivo da leitura histórica real de onde partimos do início.
Refletir a história em sua originalidade contextual, além e na contramão de critérios criados numa Europa “civilizadora” do mundo. Ouvir as africanidades a partir os africanos! Das ruas às academias, das artes à filosofia.
Que ninguém me diga (e que eu não ouse escutar) o que é ser afrodescendente sem que um afrodescendente esteja perto para me dizer “Branco, se você soubesse o valor que o preto tem / Tu tomava um banho de piche, branco e ficava preto também./
E não te ensino a minha malandragem./
Nem tão pouco minha filosofia, porquê?/ Quem dá luz a cego é bengala branca em Santa Luzia.”
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Como um humano brasileiro, eu, branco, também exijo minha parcela de negritude histórica que me foi roubada pela tv, pelo cinema e pelos bancos da escola. Eu-branco, me renego!
O Brasil é um país negro!
Ah, e por sinal, a filosofia nasceu na África!
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