Olhar Filosófico

Julian Assange, um mártir para o nosso tempo

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Aprendi, pela linha filosófica que sigo, a não criar o hábito de evocar mártires para fazer valer ideias e causas das quais defendo e acredito. Não ignoro a importância prática e simbólica de se evocar a lembrança daqueles que lutam e tombam na defesa dessas mesmas ideias e causas, porém, entendo que é uma linha tênue a separar uma construção de ideal coletivo da tentação de individualizar os méritos e subjetivar aquilo que deve ser visto como claro e objetivo.

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Daí os mitos “modernizados” de conquistadores, reis, políticos, figuras religiosas, intelectuais e líderes de toda ordem.

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Todavia, em tempos dramáticos como vividos nessa contemporaneidade, é preciso gritar e defender a liberdade das ideias e a exposição da verdade factual com toda a nossa força, inclusive, nesse caso, chamando a atenção para aqueles e aquelas que estão sofrendo nos próprios corpos as consequências da injustiça praticada por um grupo, nação ou império, por conta de suas ações de justiça heróica!

É desse cenário concreto que parto para dizer o óbvio, Julian Assange é um mártir a sangrar em praça pública por mostrar ao mundo as provas de uma verdade incômoda (e já presumida) do facínora e decadente império norte-americano.

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Podemos nos perguntar, mas e tantos outros que tombam todos os dias por ideais e causas tão ou mais profundas se consideradas em toda sua extensão coletiva, não merecem ser lembrados mais do que o fundador do WikiLeaks?

Centralizar ou identificar (também simbolicamente) numa personalidade um gesto de apoio e compartilhamento de luta que envolve a todos e todas, principalmente, a partir da justiça devida aos mais desfavorecidos em todas as frentes, econômica, política, cultural etc., não invalida o apoio e o compartilhamento à luta de milhares de outras lideranças coletivistas.

É inegável o fato de que Julian Assange, com sua estratégia de luta informativa por meio da revelação e exposição massiva de fatos até então escondidos “por debaixo dos panos” do poder, recheados de sangue e hipocrisia, mexeu as peças do tabuleiro geopolítico no início, e já para sempre, do século XXI.

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O curioso, irônico e, obviamente, terrível de tudo isso é que quando começou sua empreitada mostrando com fartas provas os julgamentos ilegais e os consequentes assassinatos cometidos pelo governo, justiça e o alto escalão militar da República do Quênia, começou a ganhar reconhecimento e prêmios por todo o mundo. Bastou que começasse a revelar ao mundo os assassinatos e crimes de guerra cometidos no Iraque e Afeganistão pelos Estados Unidos da América, com imagens e documentos sigilosos irrefutáveis em todo o seu conteúdo, para que sua vida se transformasse num inferno e até um plano para o seu assassinato fosse montado pela CIA, à época comandada pelo republicano Mike Pompeo. Ainda assim, Assange não parou, mostrou crimes ambientais ocorridos no mundo, principalmente em países pobres, cometidos por nações poderosas em conluios com os interesses de grandes empresas; mostrou a realidade do campo de concentração (chamado de prisão especial pelo governo norte-americano) de Guantánamo, ilegal sob a ótica de todos os organismos internacionais e, claro, dos direitos humanos; provou a organização de golpes, a afronta à soberania de países em desacordo com a política estadunidense, além de apoios ilegais a grupos políticos e empresas praticados pela diplomacia norte-americana por todo mundo.

Por tudo isso é que vejo Julian Assange como uma espécie de cadáver insepulto da justiça e do direito dos povos exposto para sangrar no Coliseu do poder, da hipocrisia e da desinformação programada.

Ele está a um passo de ser extraditado para os Estados Unidos para ser morto, de forma súbita ou homeopática, como exemplo. Os urubus de Washington já o esperam para comer-lhe o fígado tal qual Prometeu acorrentado.

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Mas Assange resiste, e mesmo num cenário de dor e injustiça, segue sendo o acontecimento que mostrou para todos e todas as provas do começo do fim de um império de injustiça decadente e em desespero e, por isso, ainda mais perigoso.

Fico com as palavras dolorosas de sua mãe, Christine Ann Assange:

"Há cinquenta anos, quando dei à luz como uma jovem mãe, pensei que não haveria dor maior, mas logo me esqueci quando segurei meu lindo bebê nos braços. Eu o chamei de Julian.

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Agora percebo que estava errada. Existe uma dor maior. (...)

A dor de ver meu filho, que arriscou a vida para denunciar a injustiça, ser repetidamente acusado e privado do direito a um julgamento justo.

A dor de ver um filho saudável piorar lentamente, porque lhe foi negado atendimento médico e de saúde adequados durante anos e anos na prisão.

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A angústia de ver meu filho submetido a uma cruel tortura psicológica, na tentativa de quebrar seu imenso espírito. (...)

Muitas pessoas ficaram traumatizadas ao ver uma superpotência vingativa usando seus recursos ilimitados para intimidar e destruir um indivíduo indefeso.

Quero agradecer a todos os cidadãos decentes e atenciosos que protestam globalmente contra a brutal perseguição política que Julian sofreu.

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Continue levantando sua voz para seus políticos até que isso seja tudo o que eles vão ouvir.

Sua vida está em suas mãos."

 

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