Olhar Filosófico
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Nos dias de hoje, é muito comum acharmos nas livrarias, vermos nos canais de televisão e, principalmente, pipocando em toda a internet, pessoas repetindo o uso das tais “letras geracionais” para descrever, basicamente, toda juventude do século XX. Poderia aqui escrever minhas mais duras e já “cansadas” críticas sobre tudo isso, mas gostaria apenas de levantar duas questões: 1. Das tais gerações “baby boomers” (por decorrência e analogia também aos X, Y, Z e “millennials”; meu Zeus, quanta bobagem!), o primeiro absurdo a se ressaltar começa com a desconsideração sobre a vida de todo jovem que não compunha um país anglo-saxão no pós segunda guerra. Na verdade, como em qualquer outra teoria imperialista do domínio, “a geração” da época (e todo “seu comportamento” e “superioridade civilizatória”) passa a ser contada a partir dos colonizadores; 2. O segundo absurdo a se ressaltar é que a única variável para analisar “a juventude” passa a ser a subjetiva comportamental (como se as condições materiais da existência pouco ou nada importassem na construção desse comportamento), gerando um psicologismo rastaquera e a serviço do mercado em suas grandes corporações (vide “PNLs”, “coachs”, “psicólogos quânticos” etc). Ou seja, se define um alvo de consumo e uma massa de descarte, se investe em propaganda de massa (que infelizmente atinge também as universidades), cria-se um conceito definidor de meios de conduta e estatística e, pronto, mais uma vez o puro suco do capitalismo.
Por tudo isso, eu começaria minha análise dos nossos jovens por outro caminho. A suposta geração (seja "A,C,Z,Y" etc) é que influencia o mercado ou o mercado é que influencia a suposta geração? Quem governa quem? Particularmente, penso que as tais gerações são muito mais fruto do mercado e do acirramento do neoliberalismo do que o oposto. A constituição de conceitos psicológicos comportamentais, portanto, para descrever a formação de uma geração, parece-me esbarrar na análise mais concreta de como funciona o sistema no qual estão envolvidos. Em outras palavras, a realidade material socioeconômica é assim transposta para aquilo que considero uma ideologia.
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Hoje, por exemplo, a juventude dita “Millennial” (ideologicamente falando) encontra-se frente a um paradoxo: idealizada e programada (palavra esclarecedora) para fazer cumprir as demandas do sistema - do suposto jogo do desfrutar hoje enriquecendo agora, influenciar e seguir sendo influenciado - se frustra com a realidade de um mundo do trabalho efêmero e imprevisível, de perspectiva curta e sem garantias. É quase um exagero de minha parte, todavia retornamos para um certo infantilismo perigoso de períodos românticos, conformar-se em morrer jovem a fim de não correr o risco de envelhecer e necessitar de cuidados (revelando uma profunda vulnerabilidade) e, ainda mais, pobre e não realizado, passível do descarte social contemporâneo. No “like” não dado, na “foto” não vista, no “post” não curtido e compartilhado. São muitos traumas e dificuldades em lidar com o sonho e a frustração, com a meta e o provisório.
Para aqueles que se compreendem na “geração Z” (ideologicamente falando), por exemplo, engolida pela crise programada no mercado de trabalho do sistema ultraliberal, não vejo como uma questão de livre-arbítrio ou algum tipo de escolha o campo do emprego (aparentemente descolado e com a cara jovem), vejo como um processo contraditório, marcado totalmente pela impossibilidade de se pensar diferente e escolher conscientemente. Trabalhar na google (vendido como um grande sonho para juventude), ter horários ”flexíveis”, videogames 3D e mesa de ping-pong na sala de descanso junto à academia de ginástica que ocupa o mesmo espaço de trabalho, não me parece escolha e entretenimento, pelo contrário, me soa como uma maneira de manter trabalhando 24h por dia um funcionário que pensa estar construindo o futuro e próximo de faturar seu primeiro milhão aos 25 anos. Vive-se o (ideológico e irreal) “sonho” Google, acorda-se na “realidade” Uber.
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E veja só, temos ainda assim uma demanda mais urgente por determinadas áreas de trabalho, no entanto, com diferentes atrativos (reais ou não): por exemplo, vivemos um apagão na formação de professores, para algumas áreas, inclusive, sem perspectiva formativa já para a próxima década (sociólogos, físicos e matemáticos, por exemplo). Mas qual o apelo, o salário? Há respeito e reconhecimento social? A partir daí eu trago uma pergunta: sem professores, é possível uma sociedade minimamente esclarecida e consciente de si? Aliás, sem produção social e formal de conhecimento, de onde o Google, por exemplo, vai roubar suas ideias mais “originais”?
Apesar de tudo, são os jovens que animam o mundo, mudam estruturas, reconstroem sonhos, mas desde que estejam abertos ao entendimento histórico e às demandas críticas do presente, para não repetir os erros de ontem, afinal, muitas vezes, como dizia Cazuza, “eu vejo o futuro repetir o passado/ eu vejo um museu de grandes novidades/ o tempo não para”. A pressa sem sabedoria é tão somente um tempo perdido, tanto para “Xs, Zs” quanto para “Millennials” ou qualquer outra bobagem
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