Olhar Filosófico

Getúlio Vargas e a Filosofia - Parte II

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Um dos mais significativos movimentos de professores, pesquisadores e intelectuais em torno da educação, especificamente, em seus fundamentos e como política pública, aconteceu em 1932, redundando no famoso “Manifesto de 1932” ou “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova". Neste Manifesto, que desde então muito se ouvirá, tenta-se marcar uma ruptura entre o passado e o futuro nas perspectivas da educação escolar brasileira. Fernando de Azevedo e mais vinte e seis educadores o assinam e endereçam “Ao Povo e ao Governo” com o subtítulo “A reconstrução educacional do Brasil”. Como nos lembra o professor Ghiraldelli, “Contra a “escola tradicional”, o Manifesto defende a “escola socializada”, ou seja, a escola ‘reconstruída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o trabalho em si mesmo, como fundamento da sociedade humana’. Assim organizada, a escola poderia ‘restabelecer entre os homens o espírito de disciplina, solidariedade e cooperação’ realizando uma ‘profunda obra social que ultrapassa o quadro estreito dos interesses de classes’.”

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De fato, o Manifesto não foi apenas uma carta de intenções e nem só fez barulho nos meios educacionais, ele foi por demais político, afinal, segundo a professora Romanelli “apresenta a novidade de vislumbrar a educação como um problema social”, influenciando na luta ideológica nas duas posteriores Constituições da era Vargas. Aliás, continua Romanelli, “a evolução do sistema educacional brasileiro vai refletir as tentativas de acomodação e compromisso entre a ala jovem e a ala velha das classes dominantes (…) O ‘Manifesto’ representa o pensamento da primeira.” Portanto, as lutas ideológicas encetadas, no período, entre o movimento renovador e “os representantes da escola tradicional”, tiveram consequências práticas na elaboração do texto das Constituições de 1934 e 1937. Em ambas, sente-se muito bem o espírito de acomodação dos ajustes que presidiu à elaboração do texto.

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Entre idas e vindas na interpretação, aplicação e concretude da reforma do ministro Francisco Campos, a partir do Decreto inicial 19.890, que ainda vigorava, já em 1942, pela caneta de quarto ministro da educação de Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, é publicado o Decreto-Lei 4.244, de 9 de abril de 1942, que cria a Lei Orgânica do Ensino Secundário. 

Ficam estabelecidas as seguintes e “ousadas” finalidades nessa fase (Ensino Secundário) da educação formal brasileira: 1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes; 2. Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a consciência humanística; 3. Dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial. (Cap. I, Art. 1º, Decreto-Lei N. 4.244 de 09 de Abril de 1942)

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Sob esse prisma e após o que seria denominado primeiro ciclo do Ensino Secundário, o ginasial (de quatro séries), seguido dos cursos clássico e científico (o segundo ciclo com 3 séries), veremos constar a Filosofia entre as dezesseis disciplinas ministradas. Surgia agora justificada, de maneira mais contundente, mais ainda em linhas gerais, como um saber necessário a uma formação cultural mais ampla (entenda-se europeia e católica) do educando. Aos alunos que escolhessem tanto o curso clássico quanto o científico, a Filosofia seria a disciplina presente na terceira série (muito próxima à nossa 3ª série do Ensino Médio), disposta da seguinte forma: Art. 14. As disciplinas constitutivas do curso clássico terão a seguinte seriação: (...) Terceira série: 1) Português. 2) Matemática. 3) Física. 4) Química. 5) Biologia. 6) História do Brasil. 7) Geografia do Brasil. 8) Filosofia. 9) Desenho. (Cap. II, Art. 14-15, Decreto-Lei N. 4.244 de 09 de Abril de 1942)

Em se tratando de leis gerais, tal modelo curricular, marcadamente de cultura geral e humanística, elaborado pela reforma de Gustavo Capanema, permanecerá intocável no caminho seguido pelos próximos ministérios da educação até 1961, chegando como uma espécie de espinha dorsal até o golpe de Estado de 1964 e, também, se adaptando a ele, afinal, como afirma Romanelli, esse modelo, disposto numa “... lei (que) nada mais fazia do que acentuar a velha tradição do ensino secundário acadêmico, propedêutico e aristocrático. (...) (Num) ensino não diversificado, só tinha, na verdade, um objetivo: preparar para o ingresso no ensino superior. Em função disso, só podia existir como educação de classe. Continuava, pois, constituindo-se no ramo nobre do ensino, aquele realmente voltado para a formação das ‘individualidades condutoras’.”.

A filosofia seguia justificada, porém, sufocada. Em 1971, seria totalmente retirada da formação básica obrigatória, dando lugar à disciplina de Educação Moral e Cívica. E, mesmo antes, em 1968, já vinha “rivalizando” com a disciplina de OSPB (Organização Social e Política Brasileira). Sabidamente, ambas as matérias doutrinadoras do tenebroso Estado de exceção em que vivíamos.

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