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Especialistas em mirmecologia, aqueles estudiosos da vida das formigas, sustentam que temos mais de 14 mil espécies dessas nossas amigas de coexistência e que, todas juntas em seus devidos formigueiros, pesariam mais de um milhão de toneladas. Seria, na prática, a famosa equação de que juntos somos mais fortes.
As formiguinhas sobrevivem em seu espaço-tempo de forma extraordinária. Se olharmos a materialidade de sua minúscula composição com cabeça (olhos, antenas, mandíbula e ocelos), mesossoma (pernas com garras e asas em algumas espécies) e metassoma (cintura e gáster, últimos segmentos da parte bulbosa a partir do abdome), ficamos intrigados de como, animal tão ínfimo na suposta escala da existência universal, tem vida tão complexa e realidade tão organizada na preservação da espécie. As formigas, principalmente em suas espécies cortadeiras, como a saúva, desenvolveram, inclusive, tarefas de grande empreendimento agrícola.
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Realmente, independentemente dos seus sentires e possíveis pensares (a ontologia e a ciência poupo a pouco nos revelam novas facetas do ser), sua relação baseada em “castas” e de atividades tão objetivamente funcionais, parece nos colocar em xeque quando nem sequer organizar um trabalho em grupo conseguimos com destreza, ajuste e divisão coletiva adequada de tarefas.
Rainhas, machos e operárias, possuem caráter claro e distinto à sua função no formigueiro. Todos pela rainha, que condenada a seu trono de parideira, é a eterna e constante viúva e ao mesmo tempo a pedra filosofal num reino sem palácios ou poder de outra forma de autodeterminação.
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Mas não é por essa admirável funcionalidade que elas nos impressionam, muito pelo contrário. Permitam-me ousar dizer que isso é a parte menos intrigante da espécie desses tão ousados seres.
Para além das engenhosas funções de “cada qual no seu canto e em cada canto uma dor”, fato é que, na contramão das formigas, não temos a menor ideia se estamos acima ou abaixo da escala(da) evolutiva das demais criaturas que coabitam esse imenso tudo chamado mundo material. Antes, estamos no "entre''. Naquilo que se mostra mais ajustável à nossa existência no momento presente. E isso pode não ser bom.
Diferentemente de nossas amigas que ajudam a duplicar florestas enquanto, paradoxalmente, constroem e destroem plantações inteiras, nós fizemos da adaptação bio-territorial uma acomodação moral repleta de medo e conservadorismo com vistas a um poder de honras e convenções que danam a espécie, pois cada um entende-se como propriedade de si mesmo, autossustentável num planeta de recursos infinitos, considerados assim pela ignorância sempre vacilante do momento histórico.
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Se nossas irmãs formigas parecem, realmente, ter atingido o topo da sua estruturação orgânica adaptativa naquilo que o presente lhe fornece de possibilidade, nós, naquilo que nos é oferecido pela própria magia de nossas mãos e mentes, não tentamos o passo além, o risco de sermos aquilo que podemos e desejamos. A religião grita, a arte sonha, a filosofia organiza, a ciência experimenta, a política faz e a realidade se modela. E, ainda assim, até agora, não aprendemos a dialogar com todas essas esferas de saber que se apresentam como um furacão em nossas vidas.
Queremos saber para além do acaso, mas só entenderemos o real valor desse poder, quando sairmos da acomodada funcionalidade social e entrarmos na espiral do coletivo de aprendizado, em que face a face, podemos contemplar mundos na dignidade de cada um de nós. Depois do universo, tudo é multiverso.
Falei das formigas, não por uma questão de predileção por essas criaturinhas tão amáveis quando vistas em sua realidade do infinitamente pequeno, entre folhas, plantas e jardins, mas, antes, para lembrarmos que qualquer semelhança com a vida em sociedade é uma péssima coincidência.
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Falei das formigas para não dizer que também não falei das flores: “Os amores na mente, as flores no chão/ A certeza na frente, a história na mão/ Caminhando e cantando e seguindo a canção/ Aprendendo e ensinando uma nova lição”.
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