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Cinco horas e permanecia firme. Pernas firmes. Tronco e cabeça firmes. Sem pensar no amanhã era todo firmeza. Quem passava por ali poderia, se percebesse, entender o intento. Cavar-me o intuito. Apoiar ou negar o visto (impossível, por óbvio).
Nada me faria melhor do que imaginar o sucesso de se estar firme. Rijo. E estava!
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Não pude deixar de notar minha resiliência. No próprio sentido físico. Como aquilo que retorna ao que era. Acrescento: que nunca deveria ter deixado de ter sido. Embora seguisse superlativo. Multitudinal. De repente, fixo entre a espada e o vento cortante.
10 horas. Um espírito budista ao estilo Jedi. Uma devoção de ordem maior. Cósmica ou cômica. Se percebessem o intento. Cavassem o intuito. Atendessem aos sortilégios. Por vezes, por muitas vezes, a vontade de rir e fazer escândalo. Fazer um escracho àquela meia fila que se formava adiante (não próxima de mim, nem de longe). Quem ficaria incomodado de fato? Frustrado até, quem? Por sorte que a vontade passa e as coisas seguem para uma finalidade. Peça de um só ato, onde nada pode ser necessariamente aquilo que vai apenas representado.
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Eis que me encontra Lipovetsky e uma daquelas ideias de vida clivada: “Não se trata de uma conciliação, mas de uma combinação, uma hibridação, uma justaposição. Nós temos muitas vidas na mesma vida, ao mesmo tempo, com modelos e ideais diferentes. No passado, a sabedoria era uma atividade que visava mudar completamente o mundo. Hoje, a prática da sabedoria – meditação, zen, desenvolvimento pessoal – não muda a organização do mundo. Ela permite apenas adaptar-se, respirar um pouco. Se você não gosta do seu trabalho, por exemplo, porque é monótono ou o chefe o aborrece, pode reunir-se com os amigos no final de semana e, digamos, fazer música com eles. Você consegue respirar assim.” (GZH.22.04.17)
Quando bateu às 12, ainda fortemente enrijecido, não me atrevi. E se a filosofia serve a alguma coisa, não era agora sua manifestação mais adequada às minhas necessidades. E se a ciência serve para explicar tudo que se mostra até então (supostamente) emudecido, não era agora que me faria falta. E se a religião parece amparar o desespero, estava plácido e cândido para qualquer tipo de apelo. Canto de sereias. De fato, não me atrevi. Mas cumpria minha vontade ou necessidades prementes para ser mais exato. Como tudo ao mesmo tempo é complexo, sutil e engenhoso (com certo ardil). Quando ali, rijo, pude sentir esse pensamento, confesso que me mostrei em dilema (embora ninguém pudesse tomá-lo para si). Cada dilema, cada relação paradoxal, se resume na redundância do ser de cada um. Minhas contradições são minhas, assim como seus dilemas te pertencem. Não universalizo o que sequer é indivíduo. Tudo pode ser falta se existir alguma presença. Mas os dilemas estão aí. Formam o caráter das coisas na metafísica minimalista dos objetos que só podem existir numa escala infinitesimal. E a presença pode ser oca enquanto estivermos cheios de vazios. E quando não estaremos? Se para causa se segue o efeito, permaneço fenômeno intransponível.
De anos passados, permaneci. Assim mesmo, firme. Se o mundo me sustentasse como guia ou estrela, passaria a vez. Só permaneci. Fixo e pela educação devida aos meus princípios que não são fins em si e seguem a plasticidade das cores, não do corpo (em seu pleno sentido físico).
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Dali, por anos, não saí. E decidi por agora permanecer a deixar pra lá, afinal, eu quem quis, eu quem diz, eu desfiz. E se me perguntassem pela razão de ser fixo, rijo, firme todo o tempo, nada demais. Quero, basta, e o universo se apronta à minha insignificância. Quem ignora o fato? Quem ignoraria os fatos? Se me organizo e me transpareço, por atrevimento, vou até à náusea e também contemplo a flor e sua canção revolucionária, firme. Recito o que está posto, Drummond de uma vida inteira, pois, também “meu ódio é o melhor de mim./ Com ele me salvo/ e dou a poucos uma esperança mínima./ Uma flor nasceu na rua!/ Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego./ Uma flor ainda desbotada/ ilude a polícia, rompe o asfalto./ Façam completo silêncio, paralisem os negócios,/ garanto que uma flor nasceu./ Sua cor não se percebe./ Suas pétalas não se abrem./ Seu nome não está nos livros./ É feia. Mas é realmente uma flor./ Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde/ e lentamente passo a mão nessa forma insegura./ Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se./ Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico./ É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
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