Olhar Filosófico
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6h. 18h. Não me lembro ao certo das peculiaridades daquele dia. Da primeira pergunta. Dos infinitos copos d’águas tomados por nós dois. Nem ao certo se foi Carlota quem começou com os lamentos. Ou, principalmente, em qual momento Amaury apareceu na história. Só possuo vaga lembrança do que lhe disse, Não escreva de volta. Não responda esse whatsapp. E não faço ideia se tratava-se de paixão ou amizade.
Pelo que acho num canto da memória, Carlota me ouviu e não mandou de volta qualquer mensagem. Sou muito amigo de Amaury e pouco conhecia de Carlota. Por isso mesmo sabia de quem se tratava e de seu “modus operandi".
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Amaury tinha grande capacidade de fazer merda e consertar com poesia. Para cada cagada, parece que sacava da manga um novo poema de um autor desconhecido. Ou um poema inédito de um autor já consagrado. Amaury era trágico e nisso consistia a beleza de suas desculpas (ou afirmações de comportamento). Algumas vezes era Neruda, noutras, Drummond, na maioria, vários poetas novos - sempre achei que os usava como codinomes para suas próprias poesias de um Casanova descamisado.
Carlota insistiu, Tem certeza? Assenti com a cabeça e reforcei a confiança pelos anos e afetos da nossa amizade, Sim, conheço bem a peça. Aflita, ela continuava com o celular nas mãos. A mensagem aberta e aquela claridade insuportável. Tentando acalmá-la, mudei brevemente o foco e lembrei dos perigos de ficar “dando sopa” com o aparelho assim, ligado, aceso, na mão, naquela rua mais pacata onde acho que estávamos.
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Mas e o Amaury?, disse ela de novo. Eu soltei meu clássico, Relaxa, tudo sempre fica bem…
Por um instante, acreditei que Carlota voltava à presença da nossa conversa anterior ao chamamento poético do Amaury. E nos enchemos de água de novo. Aliás, para que fique claro, estávamos realmente “enchendo a cara” de água. Pouca gente sabe que se você tomar com certa agilidade uma quantidade “x” de copos de água, sua mente se abre a um barato interessante e você só quer rir. Acredito ter perguntado, Por que ainda estamos aqui? Carlota respondeu, penso eu, Para esperar por ele, oras! Ri mais um pouco e lembrei daquela história do Voltaire (1694-1778), meu grande iluminista, sobre a esposa do Marechal de Grancey: “O abade de Châteauneuf a encontrou certo dia vermelha de cólera. “O que há com a senhora?”, disse-lhe.
– Abri por acaso um livro que se encontrava em meu gabinete, respondeu ela. Era, creio eu, alguma coleção de cartas; e li tais palavras: Mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos; então joguei o livro fora.
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– Como, Senhora! Não sabeis que se trata das Epístolas de São Paulo?
– Não me importa de quem elas são, o autor é muito indelicado. O senhor marechal jamais escreveu-me neste tom; acredito que o vosso São Paulo era um homem de difícil convivência. Ele era casado?
– Sim, senhora.
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– Ela deve ter sido uma boa criatura; se eu tivesse sido a mulher de um homem como este, eu o teria mandado passear. Sujeitai-vos a vossos maridos! Ainda se ele tivesse se contentado em dizer: Sejam doces, complacentes, atenciosas, econômicas, eu diria: eis um homem que sabe viver; e por que submissas, por favor? Quando casei-me com Marechal de Grancey, nós nos prometemos ser fiéis, eu propriamente não cumpri com minha palavra, nem ele com a sua, mas nem ele nem eu prometemos obedecer. Então, somos escravas?”
Acredito que, embora num milésimo de segundo a história tenha voltado à minha mente, eu a tenha dito em voz alta, pois ela me perguntou, Quem é essa senhora? E, pelo que sei, lhe disse, Talvez você, Carlota, se não responder a mensagem do Amaury. Silêncio e cuspidos de gargalhada depois. E lhe perguntei, Bom, vá lá, afinal, o que disse meu grande amigo? No que, “de cor”, me respondeu, “Não penses que me esqueci/ da noite nossa pelas bandas de cá/ Permaneças aqui, minha Carlota/ tenso tento tátil/ às dobras do seu coração/ Espere-me na esquina/ Paula nunca existiu/ Bárbara nem ouvi falar/ Eliana quem é?/ Só há ti/ Ti ti ti/ E nada mais”, assinado Devanir, poeta contemporâneo.
Enfim, fato é que nem me lembro. 6h ou 18h? Carlota? Amaury? Só acordei assim, como escritor “de porre” e devaneios
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