Olhar Filosófico
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Meu primeiro encontro com o livro da peça Romeu e Julieta se deu há bons vinte e cinco anos atrás.
Foi por acaso. Não estava apaixonado e nem procurava leitura por indicação de alguém ou possuía qualquer curiosidade sobre as artimanhas do amor, do ódio, das aventuras e desventuras de uma rivalidade entre nobres “metidos a besta”.
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Nunca havia visto ou ouvido falar de Montéquios ou Capuletos. Mas confesso que ao ouvir de Romeu a fala que reproduzo em seguida, algo me prendeu à sua bela tristeza egoísta e passei a me interessar pela sua vida na clássica história shakespeareana. Dizia ele: “Ah, cego Amor vendado! Até sem ver encontra o alvo, acerta e faz sofrer! (...) Não amo amar, mas amo e vou sofrendo. Tens vontade de rir?”
Ou seja, o rapaz sentiu-se atado a um destino do qual não poderia fugir, envolvido por inteiro e para sempre como o ar que respirava. E, assim, traduziu-se em sentimento como quem raciocina e recebe na clareza da mente um veredito insolente com peso de imperativo, “não amo amar”...
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Isso me levava a uma ideia que trazia há algum tempo, o amor se mostra como desejo, age como vício, e domina como parasita.
Romeu queria amar, mas amava sem querer. E dessa prisão não conseguiria mais sair. E, sem perceber, era dominado por esse desejo muito mais do que viria a desejar na linda figura da pobre Julieta. Romeu era um amante independentemente do objeto a ser amado.
Na maior parte das vezes queremos não um objeto ou sujeito do nosso desejo, mas o próprio desejo. É um perigo que nos envolve de angústia, pois precisamos escolher um fenômeno, coisa, objeto, pessoa em detrimento de toda e qualquer outra escolha. Se escolho alguém, deixo de escolher todos os outros alguéns que, fruto do meu desejo, possuem também potencial de completude para o meu ser. É claro que fica ainda pior, eu também sou ou posso ser manifestação do desejo de outrem. Ficamos assim.
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E, como um vício, depois do desejo saciado, o objeto chega até mesmo a ser dispensado e evitado. Claro, até a outra dose de desejo surgir e cobrar de todo nosso organismo, mente e alma, sua nova parcela à sua única e exclusiva saciedade.
Tudo isso me faz lembrar o mito de Narciso e sua impressionante atemporalidade, ainda mais em nossa sociedade ocidental do espetáculo, do consumo e da concorrência. Tal como no mito, somos provocados e mergulhados no desejo de saciedade que se encontra a um toque da mão e a um abismo da possibilidade. Quero, mas não tenho. Tenho, mas não quero. E, assim, nos enredamos nas teias dos nossos próprios egos superestimulados pelo controle econômico dos deveres e convenções sociais.
Na mitologia grega, Narciso aparece como um filho divino e jovem condenado, primeiramente, a amar. No fundo, talvez, amasse o desejo que encontrava como objeto na imagem espelhada de si mesmo. O vazio angustiante à busca de completude, o levara a negar todas suas e todos os seus pretendentes e se completar no abstrato querer de si. O final já sabemos. Narciso sofre, definha e morre.
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Romeu vivia a prisão de si mesmo em toda a extensão do amor insaciável. Amor como desejo.
Romeu, para mim, era Narciso. Eu era você. E você o meu desejo. No fim, todos famintos.
* Diego Monsalvo, professor de filosofia e escritor
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