Olhar Filosófico

Escolas violentas ou sociedade do horror?

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Há um ano, escrevia eu aqui nesta mesma coluna, dois artigos que se completavam e buscavam apontar os problemas que enfrentaríamosna retomada das aulas sem nenhuma preparação séria para os novos contextos de fragilidade interpessoal, de defasagem curricular, de desvalorização docente e de estrutura escolar precarizada ( “As 3 pestes e as duas chagas na retomada das aulas”, DL de 04.04.22 e “Doc, Ted e Pix nas escolas”, DL de 09.05.22).

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Hoje, em parte, reproduzo as linhas principais daquilo que havia deixado registrado como alerta. Sem nenhuma intenção de sustentar a tese do “eu já sabia” ou do “eu avisei”, muito pelo contrário, pois para aqueles que trabalham, pesquisam e vivem da educação, quase fomos unânimes em apontar o que estaria por vir.

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Diante do crime ocorrido numa escola estadual de São Paulo, onde um aluno matou a facadas uma professora, Elisabeth Tenreiro (71 anos), e feriu outras educadoras e colegas, é importante fazermos coro para que as autoridades competentes e, principalmente, toda sociedade civil, ouçam os apelos dos educadores e pesquisadores da educação e não caiam (ou explorem) sempre a mesma ideia de que a violência escolar se combate com polícia na escola.

Não há nenhuma pesquisa séria (muito pelo contrário), a não ser aquelas do tribunal das redes sociais, que aponte a solução na presença de soldados nos colégios. Na escola, se a polícia entra por uma porta (haja vista, inclusive, as fatídicas escolas cívico-militares), a educação sai pela outra. São funções dicotômicas e excludentes. Fazer ronda escolar, tudo certo, plantar homens armados e fardados dentro das escolas, um horror educacional, afinal, tudo, exatamente tudo que ocorre e faz parte numa instituição escolar, precisa ter uma clara função educadora e um amplo discernimento pedagógico.

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Pois bem, quando foi decidido que as escolas retornariam presencialmente com força e com tudo para uma rotina de sempre, esqueceu-se que a escola é outra daquela imaginada de antes. De repente, como se já fora o tempo do tempo exato dum jeito certo de aliviar a dor e lamber as feridas, a molecada voltou aos pátios e à estaca zero.

Falei eu, ousado, boca e lápis na palma da mão, na cabeça o olho do furacão e nos pés um calo que ainda me aperta, de três pestes que enfrentaríamos todos aqueles que permaneceram nas escolas às duras penas e com hercúlea luta. 

1. o ISOLAMENTO (nossos alunos trariam infinitas marcas dos períodos mais críticos da pandemia, desde famílias que se descobriram que eram só um amontoado de gente que viviam sob o mesmo teto até a dificuldade para refazer ou criar novos laços no mundo não-virtual); 2. a DEFASAGEM ESCOLAR (o mais claro dos efeitos do período domiciliar da pandemia, onde nossos alunos e seus familiares viram na prática que a escola e seus educadores também ensinam como estudar e não só o que estudar) e 3. a VIOLÊNCIA (uma bomba que no Brasil, um país deveras violento, foi, por 4 anos, diuturnamente estimulada pelas maiores vozes da republiqueta das armas e do ódio e retornou ainda mais presente nas escolas com as máscaras da auto sabotagem, do bullying e da briga física. Nossos alunos extravasando as insatisfações e as indecisões, entre si mesmos e contra os professores, por meio de um corpo que se desenvolve, reflete com dificuldade e clama por amparo e afeto).

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Dito isso, relembrando os artigos de outrora, chamei também a atenção para as três transferências que chegaram ainda mais fortes, pois nunca deixaram de existir, com as famílias e suas supostas cobranças por qualidade de ensino aos seus filhos.

Primeiro, o DOC, aquela transferência no “atacado” que a família faz à escola, no sentido de mostrar aos educadores e sua gestão pedagógica que se preocupam com os seus rebentos, mas espera do colégio a educação plena (de corpo, alma e “Deus me livre”) dos seus meninos e meninas. É uma transferência do tipo que diz não querer dizer o que a escola deve fazer pelos seus filhos, mas deixa implícito que é fiscal de acusação se algo sair como não quer. É uma transação em formato DOC, pois demora, mas uma hora vem nos devorar a todos que não corresponderem aos seus desejos. É característica de famílias que descontam na escola a frustração de não conseguirem colaborar integralmente na educação dos filhos.

Segundo, a TED, aquela transferência no “varejo” que a família faz à escola, no sentido de mostrar aos educadores e sua gestão pedagógica que dia a dia cobrarão atitudes cada vez mais rígidas aos filhos dos outros enquanto negociam vantagens para os seus pequeninos. É uma transferência do tipo que garante que não quer fazer a defesa do filho, mas, os colegas e educadores o perseguem o tempo inteiro. É uma transação em formato TED, pois vem a curto prazo. É característica de famílias que levam ao contexto escolar a necessidade de demonstrar o que em suas casas não acontece,  ou seja, que são os melhores e mais presentes pais (e educadores) a defender a cria num ambiente hostil, chamado sala de aula e hora do intervalo.

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Terceiro, o PIX, aquela transferência direta, diária e acusatória que a família faz à escola, no sentido de mostrar até às tintas das paredes, que se o seu filho não for doutrinado como a família deseja, acusará, paradoxalmente, a escola de doutrinação. É uma transação em formato PIX, pois vem imediatamente e recheada de raiva e necessidade de “sangue” e “justiça com as próprias mãos”. É característica de famílias que alienadas às responsabilidades básicas que lhes competem,  elegem inimigos novos para justificar o de sempre, intimidação e desafeto para o preenchimento de toda a sua falta de empatia e, vejam só, educação.

Por fim, devo dizer que sustento essas ideias não para ironizar esses “tipos familiares” (que são uma minoria barulhenta) e inocentar práticas educativas ruins e péssimas quando essas ocorrerem, mas para alertar a todos aqueles envolvidos com a educação que se não nos entendermos e criarmos uma via de mão dupla de responsabilidades e competências diferentes, faremos das salas de aula um octógono de vale tudo, onde só restará às escolas separar brigas, conter as armas e contar os mortos.

E de novo me pergunto, agora em Abril de 2023: É o que queremos? É mesmo o que queremos?

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