Olhar Filosófico

Entre bestas e utopia

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Certa vez, Tomás de Aquino, um grande filósofo italiano, talvez dos maiores já vistos, escreveu o seguinte numa de suas obras (“Suma contra os gentios”): “Há em todo homem um desejo natural de conhecer as causas daquilo que percebe. É, portanto, em consequência da admiração sentida em face dos objetos, mas cujas causas lhe permanecem escondidas, que o homem se põe a filosofar. Uma vez descobertas as causas, seu espírito se tranquiliza. Mas a busca não cessa até que tenha chegado à primeira causa, porque só quando esta é conhecida é que o homem julga conhecer de maneira perfeita.”

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Num passado próximo, Humberto Gessinger, um excelente compositor brasileiro, cantarolou pela primeira vez seu próprio “Dom Quixote”: “Muito prazer, meu nome é otário/ Vindo de outros tempos/ mas sempre no horário/ Peixe fora d'água/ borboletas no aquário/ Muito prazer, meu nome é otário/ Na ponta dos cascos e fora do páreo/ Puro sangue, puxando carroça/ Um prazer cada vez mais raro/ Aerodinâmica num tanque de guerra/ Vaidades que a terra um dia há de comer/ "Ás" de espadas fora do baralho/ Grandes negócios, pequeno empresário/ Muito prazer me chamam de otário/ Por amor às causas perdidas/ Tudo bem, até pode ser/ Que os dragões sejam moinhos de vento/ Tudo bem, seja o que for/ Seja por amor às causas perdidas/ Por amor às causas perdidas/ Tudo bem, até pode ser/ Que os dragões sejam moinhos de vento/ Muito prazer, ao seu dispor/ Se for por amor às causas perdidas/ Por amor às causas perdidas.”

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Há alguns anos, um modesto advogado ficou muito famoso na região em que habitava por ser muito requisitado ao mesmo tempo em que era reconhecido como um grande perdedor de casos. Tal contradição parecia, em princípio, não ter uma explicação objetiva, clara e lógica, mas, de qualquer forma, era um fato. E não havia quem disso duvidasse, mas também quem de tudo isso não entendesse e, principalmente, quem por tudo isso não se envergonhasse.   

Numa de tantas vezes, num tribunal em que se desenrolava mais uns de “seus” processos, o juiz, um velho conhecido por tantos julgamentos naquela corte, após a sustentação oral de todos os envolvidos e seus representantes, pediu ao advogado que viesse à frente e disse-lhe ao ouvido para que, por favor, recolocasse parte de sua oratória para os todos os presentes novamente. E eram muitos, desde aquela fama inusitada adquirida. O advogado, sem mudar o seu semblante e seu tom de voz, repetiu, com o mesmo ímpeto retórico, uma parte significativa de sua defesa àquela determinada causa em questão. Ao terminar, como já se tornara hábito, foi ovacionado de pé pelo público ouvinte naquele tribunal.

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O juiz pensou, refletiu, burocratizou e chegou à conclusão que tal advogado, mais uma vez, perderia o caso. E assim aconteceu. Quando saía do Tribunal, o magistrado e o advogado se encontraram nas escadarias que davam à rua, e, ainda que não fosse habitual, o juiz justificou seu pedido excêntrico para o colega de Direito.

O senhor sabe da sua fama por aí, certo? Ao que o advogado respondeu, Sim, claro! - e rindo - O pé frio da advocacia. Pois bem, o juiz respondeu, deixe-me dizer uma coisa. O senhor é um excepcional profissional do Direito e quero que saiba, e acho até que já sabe, que não é o senhor que perde processos, o senhor é uma espécie de alquimista, transforma casos perdidos em verdadeiras causas humanitárias! E, assim, quem perde, é claro, somos nós. Enfim, o senhor é uma das minhas maiores inspirações para continuar a acreditar em alguma Justiça. Eu pedi para que você, se me permite chamá-lo de você, repetisse parte de sua defesa para que todos, inclusive eu, tivéssemos mais uma vez a oportunidade de ouví-lo e não nos esquecermos do porquê de estarmos aqui, fazendo o que fazemos. Você humaniza a lei e traz lições de solidariedade e humildade num ambiente poluído de soberba e presunção! Escutá-lo é uma alegria para os ouvidos, um estímulo para o pensamento e um bálsamo para a alma! Dom Quixote teria no senhor um parceiro e tanto! Muito obrigado!

O advogado, ajeitando a barba e arrumando alguns papéis em sua maleta um tanto surrada, devolveu, Obrigado!

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Mas o juiz já não ouviria, pois apertou o passo em direção ao manobrista que trazia seu carro e entrou por inteiro com seus pés, seu relógio, seu poder, seu terno subsidiado e o barulho ensurdecedor do seu privilégio.

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