Olhar Filosófico

Eis um cão, eis um homem

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Num século incomum, em Atenas, ainda à época dos macedônios em terra estrangeira, surgia um homem-cão.

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Enquanto a Grécia caía em desgraça, deixando de lado toda sua imponente forma de ver e fazer ver o mundo dentro e fora de suas elaboradas cidades-estados, o homem-cão adotara um barril para que, sendo de sua propriedade, dele dispusesse como um rei sem súditos dispõe do céu construído por suas próprias mãos, sonhado de suas próprias ideias.

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Nada daquilo em que se comprazia todo aquele que se vestia, todo aquele que se comia, todo aquele que se bebia era visto como essencial ao homem-cão. Desafiando as próprias vontades construídas desde pequeno à média idade e inaugurando a força do próprio tempo no ciclo da sina adulta, tal figura incomum decidiu não mais responder aos padrões e sanções da sociedade em que se coçava para existir. 

Nascido em Sinope, expulso de Sinope, deixa Sinope e se permite estar em nova cidade de igual pouca importância. Havia também quem, escandalizado, aterrorizado, pensasse, dissesse e sentenciasse: Homem, mendigo, coisa-alguma-que-preste, se retire deste meio, aqui impera a honra, o costume, a finesse. Se a natureza crua sem espoliação humana já te oferece tudo do que acha que necessita, te retira, não apareça assim como quem nos acusa. E o homem ria como quem já sabia que na história essa gente aflita por posição e prepotência, nunca se escreve o destino dado pelo lance de sorte dos deuses caídos. Turma para acreditar em tudo e fazer por mais o desnecessário de sempre. Ria. Ria. Ria.

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De tão famoso que se fazia o nome cão do homem que não convencionava com a dita classe humana, ainda mais a aristocracia, chegou aos ouvidos do império o inusitado de tal figura. E o império, como se sabia, atendia por um nome, Alexandre da Macedônia, Alexandre O Grande, Alexandre Magno, que para o homem-cão, seria Alexandre-só, “somente só, assim vou lhe chamar assim você vai ser”.

Num belo dia, sol, cavalos e bebidas, num momento de total entrega matutina, deitado ao lado do rio que vez por outra sua mão banhava-se como pata que cão lambida, surgia no horizonte o nobre imperador de todas estas terras extensas, gregas e cercanias. Vendo ali estirado homem, barril e cia, Alexandre-só do alto do seu cavalo, entre o branco-gelo e o malhado, do cume das soberanias, inicialmente riu da figura que a todos escandalizava e a alguns impressionava como sábio que se fazia. Inspirou, expirou, e sério teria dito, quem nos conta, o seguinte: Eia homem, é verdade que de nada diz depender? Nem honra, nem sapatos, nem costumes ou impérios? Eis-me aqui, imperador de todos os vales, dominador por todos os meios, de que precisa para que te supra? Do que deseja para que te dê? De qual prazer para que aqui te faça?

O homem-cão olhou num giro pobre de pescoço para aqueles que o fitavam, comitiva a perder de vista, olhou às cabeças que o acompanhavam, lustrados capacetes, lanças e gargalhadas, e quase em dialeto próprio respondeu ao inquiridor tão prepotentemente generoso: Afasta-te da frente do meu Sol! Tu és sombra que agoniza e o Sol não é de seu reino. Estirado, entre o suor e o deboche, continuou como se um raio muito longe tivesse caído e o trovão ainda nem se ouvia. Alexandre O Grande, Magno, Alexandre-só, não riu, não retrucou, não permitiu que um seu soldado alguma arma apontasse ao homem tão desprovido de senso de hierarquia, pelo contrário, por alguma razão que ia além dos fundamentos da virtude aprendidos de Aristóteles, seu mestre e tutor,  sentiu na ação do homem, de fala e corpo em sincronia, a honestidade que nunca ouvira. E só mais tarde apenas, quando já morto e deixado à história, outro alguém de um soberano diria: O rei está nu! O rei está nu!

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Recolhido na tristeza, levado pela melancolia, o imperador sairia às batalhas sabendo ter sua principal há muito perdida: Afasta-te da frente do meu Sol!

O homem-cão, que atendia por Diógenes, era visto como quem latia. Cada palavra, um latido econômico, certeiro, simbólico como quando um cão sabe ter para com a Lua.

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