Educar(-se) é correr riscos

O filósofo francês Edgar Morin, certa vez, numa de suas entrevistas, disse que uma pergunta fundamental para a educação se perdeu, se desintegrou: O que é ser humano? Nas palavras do próprio filósofo: “O objetivo da escola é ajudar a aprender a viver. Certos ensinamentos não fazem parte das disciplinas, mas permitem integrá-las. O que é ser humano? Atualmente, por culpa da pedagogia, essa pergunta está completamente desintegrada. Ser humano é, sem dúvida, ser um indivíduo, mas que faz parte de uma sociedade e de quem a sociedade também faz parte. Desde que nascemos, nos inculcam a linguagem, a cultura, o que se deve fazer, o que não se deve etc. Na verdade, nosso ser é constituído de três partes em uma só: membro de uma sociedade, membro de uma espécie e indivíduo. Portanto, no meu modo de ver, conhecer a nossa natureza humana é essencial. E isso passa pelo ensino da incerteza.”

Como visto, ele não verbaliza, em sua pergunta, “o” ser humano, mas, SER HUMANO e ponto, sem artigo. O “ser” aí é um substantivo que se busca ou se abre à definição e, também, verbo “estar” que avança mais além de qualquer designação, é práxico! Tal como, de certa forma, nos lembra Marx: “A questão de atribuir ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas sim uma questão prática. É na práxis que o homem precisa provar a verdade, isto é, a realidade e a força, a terrenalidade do seu pensamento. A discussão sobre a realidade ou a irrealidade do pensamento - isolado da práxis - é puramente escolástica.”

Portanto, considerando a preocupação de Morin e o apontamento de Marx, fica claro que não se afirma que o conhecimento é o “conhecimento da incerteza”, afinal, cairíamos na lógica das especialidades que não se agrupam, na falta de análise geral e sistêmica, aquela ideia de que existem especialistas na árdua tarefa de não se entender nada e definir tudo, vendendo ignorância  (não a Socrática) engarrafada, vendo a vírgula não supondo a frase. Um puro suco de niilismo e competente desespero. Não! Mas o que é de suma importância na colocação de Morin, é o fato de que o sentido da escola deve estar atrelado a uma visão ampla de conhecimento, ou seja, à base e busca de seus fundamentos, ele nos diz que se há um objetivo para a escola em sua tarefa educativa, é o de ajudar a aprender a viver. A escola é para a vida! Daí a importância de se ter em mente a incerteza, afinal, a incerteza faz parte do caminhar humano. Ninguém pode “ser” (enquanto verbo estar) na certeza… Isto é importantíssimo, pois a certeza se torna relativa a um determinado contexto de ideias e forças, ela passa a ser vista encarnada nas perspectivas do (limitante) tempo histórico. A incerteza, por sua vez, surge como um sim à vida e ao conhecimento contínuo e ampliador de significados para que a busca pela verdade continue possível, ela se torna um elemento afirmativo do aprendizado escolar, como se disséssemos: Nem pelo SIM, nem pelo NÃO, começaremos nosso processo pelo TALVEZ! Paulo Freire diria, é tarefa da escola democrática, portanto, com lideranças democráticas, ajudar a decidir, e decidir é romper, e romper é correr risco!

Sob esta perspectiva de Morin, portanto, o conhecimento escolar permanece formativo, é claro, afinal é um processo social fundamental e de enorme abrangência à continuidade cultural e histórica, mas ganha também um caráter de possibilidade, potencialidade, isto é, ao aluno (e também ao próprio professor) tudo aquilo que se coloca como importante conhecimento à sua formação como indivíduo livre pode ser ressignificado, desde que observados rigores (lógicos, metodológicos, argumentativos) que permitam à razão individual e coletiva, neste processo de ensino-aprendizagem, construir um sentido de mundo e de existência. O conhecimento na escola passa, então, a reunir e complexificar saberes mais do que fragmentar e descrever conteúdos. Escola sem o cultivo da incerteza para as possibilidades de (re)construção de saberes e conhecimento, não é escola, é buffet ou jaula, seja ela “rica” ou “pobre”.