Olhar Filosófico

Educação: as pesquisas e os saberes

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“O campo da educação está saturado de discursos já instalados, já prontos. Qualquer que seja a questão, já há uma resposta, prática ou política, já existem discursos teóricos, poderes intelectuais constituídos, panelinhas teóricas nas quais a defesa de conceitos mais ou menos se confunde com a conquista de postos e de poderes. Quando um campo está tão saturado de respostas, é difícil levantar questões de maneira nova; portanto, é difícil fazer pesquisa.” (Charlot, B. A pesquisa educacional entre conhecimentos, políticas e práticas: especificidades e desafios de uma área de saber. Revista Brasileira de Educação, v. 11 n. 31 jan./abr., 2006)
O que significa fazer pesquisa em educação dentro de sua própria especificidade? Como já ouvimos tanto essa pergunta, nós os trabalhadores e pesquisadores da educação... Fato é que a forma de respondê-la revela o caminho de análise e sugestão de respostas que pretendemos (con)seguir ao colocarmo-nos frente a frente com objeto central da pesquisa. Procuraremos aqui descrever sinteticamente o processo geral de se fazer pesquisa científica em educação e sua correlação com os saberes instituídos.

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Os caminhos da pesquisa em educação:

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Pesquisar à maneira científica (e a educação assim o pede) é antes de tudo, deixar para trás elementos que compõem uma série de atitudes e preconceitos típicos do senso comum que, em educação, costumam fazer eco deixando ruídos e vícios nos resultados obtidos. Todavia, na tentativa de se estabelecer uma área específica de pesquisa científica em educação, deparamo-nos, segundo o filósofo da educação, Bernard Charlot, com três posições:
1. As faculdades, onde se institucionalizam as pesquisas em educação, possuem em seus departamentos espaços para se pensar a “educação” a partir de múltiplas disciplinas sem, contudo, defini-la ou delimitá-la;
2. A ideia de que existe uma cultura comum baseada no campo educacional das práticas e políticas, além das atitudes de disciplinas envolvidas com educação;
3. Trabalhar as diversas frentes de pesquisa em educação buscando um elo objetivo em vista de se atingir resultados concretos. O guiar-se pela pesquisa mais do que por aquilo que as disciplinas têm a oferecer de forma individual dentro de expectativas específicas das respectivas áreas.
Se levarmos em conta a última posição citada, veremos que, ainda que não definida, a pesquisa educacional nasce epistemologicamente a partir de campos de saberes (como a filosofia, a sociologia etc) que individualmente não podem responder as questões prementes que emanam propriamente da educação. E é a partir daí que passamos a nos preocupar de forma redobrada com os erros de senso comum que, na precipitação de estabelecer áreas específicas da educação, tendem a reafirmar teses e ideias por demais ultrapassadas e/ou com ainda poucas variáveis claras para uma investigação mais aprofundada.
O que acaba revelando-nos uma análise mais significativa na área de pesquisa em educação, nos mostra as diversas falas que compõem tal campo e que muitas vezes se sobrepõe como verdadeiros dogmas; o que identificamos em dois campos bem definidos na área educacional, por exemplo, em discursos meramente opinativos (e que viram teses e dissertações!!!) que se alçam numa conduta anti-científica como se a ciência não pudesse fazer parte de ciência humana tão virginal e com alto grau de pureza. Mesmo que seja um discurso militante (com a resposta ao estudo ideologicamente já colocada), um discurso (anti)pedagógico (pretensamente igualitário e universal, uma vez que todos dividem da mesma razão de aprendizagem), um discurso importado de áreas específicas que não a da educação (daí os psicologismos pedagógicos etc), um discurso de forte apelo midiático amparado em resultados internacionais (visto como medidas práticas que deram certo (em alhures) e podem ser reproduzidas e replicadas em um novo contexto) etc. e em outro campo, o especificamente pedagógico, que embora imbuído de teorias e práticas de organização e políticas em educação, confunde a pedagogia com a própria educação, ou seja, considera a educação um conjunto de meios para o funcionamento de determinadas práticas que, obrigatoriamente, levarão a um fim, porém esquecendo-se que organizar saberes não nos leva necessariamente ao conhecimento, fim último da educação escolar, o norte real da pesquisa educacional.
 A pesquisa científica em educação revelar-se-á exitosa, portanto, se, primeiro, levar em conta que a educação é um campo epistemológico com objetos definidos a partir de uma ideia de ser humano em processo constante de humanização, socialização e singularidade, onde a escola é a instituição que organizará tal processo tendo em vista a articulação de saberes no movimento de políticas de ensino-aprendizagem, em que o aluno necessita mobilizar-se intelectualmente para permitir-se o conhecimento. 
E no que diz respeito ao Brasil, ainda não se criou na pesquisa em educação uma memória científica que não só não atrase as análises, mas sobretudo, que dialogue com o que está sendo produzido no momento a partir de referenciais acumulados na história da educação. Tudo isso torna mais difícil uma avaliação de nossa cultura escolar para sabermos com mais condições de razoabilidade científica em que pé anda nossa educação e a relação estabelecida entre os saberes e as mobilizações intelectuais de nossos alunos.
Avançamos, mas avancemos!

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