Olhar Filosófico
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“Não passa de um preconceito moral julgar que a verdade vale mais que a aparência (...) Por que não será ficção o mundo que nos diz respeito? (NIETZSCHE)
Desde os primórdios têm-se registrado o pensamento que, na busca pelo Ser, questiona-se a si mesmo, indagando-se: o Ser é e o não-Ser não é?; qual o valor da aparência enquanto verdade do Ser?; Ser e Nada se complementam ou se excluem?; ou estaria o Ser revestido de tal modo no ente, que ele se mostra como sim e como não? Mesmo fora da filosofia, a tradição a que se refere, por ela iniciada, nos deixará em aberto o caminho da ciência e das artes. Como determiná-las a partir daquilo que são ou, na verdade, parecem ser. Tal como a abissal tragédia de Hamlet em Shakespeare:
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“Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre/ Em nosso espírito sofrer pedras e setas/ Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,/ Ou insurgir-nos contra um mar de provações/ E em luta pôr-lhes fim? Morrer... dormir: não mais./ Dizer que rematamos com um sono a angústia/ E as mil pelejas naturais-herança do homem:/ Morrer para dormir... é uma consumação/ Que bem merece e desejamos com fervor./ Dormir... Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:/ Pois quando livres do tumulto da existência,/ No repouso da morte o sonho que tenhamos/ Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita/ Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios./ Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,/ O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,/ Toda a lancinação do mal-prezado amor,/ A insolência oficial, as dilações da lei,/ Os doestos que dos nulos têm de suportar/ O mérito paciente, quem o sofreria,/ Quando alcançasse a mais perfeita quitação/ Com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos,/ Gemendo e suando sob a vida fatigante,/ Se o receio de alguma coisa após a morte,/ –Essa região desconhecida cujas raias/ Jamais viajante algum atravessou de volta/ Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?/ O pensamento assim nos acovarda, e assim/ É que se cobre a tez normal da decisão/ Com o tom pálido e enfermo da melancolia;/ E desde que nos prendam tais cogitações,/ Empresas de alto escopo e que bem alto planam/ Desviam-se de rumo e cessam até mesmo/ De se chamar ação.” (SHAKESPEARE)
A questão avança.
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Ao que se nota, a verdade ontológica diz que o Ser está separado do ente; a verdade lógica afirma a oposição entre o ser e o não ser... Mas não são as palavras tão somente generalizações em que o princípio da identidade, arbitrariamente, identifica desiguais e determina contradições, sem conceber que as diferenças são apenas de grau? Será que já não teríamos, segundo Nietzsche, perdido tempo demais com essa questão medieval de realistas e nominalistas, uma vez que, mesmo após o embate, as estruturas linguísticas precisariam de uma filosofia da linguagem, especificamente?
Esta pergunta a cerca da palavra como ‘esconderijo da coisa como simplesmente ela é’ (mais tarde Heidegger resgatará o status da linguagem como ‘clareira do ser’) também convoca Nietzsche à inquietação filosófica, o qual, ainda outra vez, buscará a explicação no pensamento pré-lógico dos gregos, mais especificamente em Heráclito que afirma:
“Não vejo nada além do vir-a-ser. Não vos deixeis enganar! É vossa curta vista, não a essência das coisas que vos faz acreditar ver terra firme onde quer que seja no mar do vir a ser e perecer. Usais nomes das coisas, como se estas tivessem uma duração fixa.” (NIETZSCHE)
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Não são, pois, as palavras e os conceitos que nos levarão a penetrar na “muralha das relações”, nem mesmo a chegar a um suposto fundamento originário das coisas; nem ainda, nas puras formas da sensibilidade e do entendimento, ou seja, no espaço, no tempo e na causalidade não chegamos a nada que se assemelhe a uma verdade eterna.
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