Olhar Filosófico
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Leia, meu amado, o dicionário, e declame em meu ouvido os seus sentidos. Ainda, assim, será pouco, muitíssimo pouco:
PERDÃO (sm): 1 Remissão de uma culpa, dívida ou pena; 2 Desobrigação do cumprimento de um dever; 3 Disposição para perdoar. (interj) Expressão de pedido de desculpas.
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DESCULPA (sf): 1 Ação de desculpar ou de se desculpar; 2 Alegação atenuante ou justificativa de culpa; 3 Lamentação por mal cometido; arrependimento, contrição, pesar; 4 Argumentação que se apresenta em defesa própria; escusa, justificação, justificativa; 5 Alegação que se usa para encobrir a verdadeira razão de (algo); evasiva, pretexto, subterfúgio; 6 Absolvição, clemência, perdão.
(Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa)
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Não se pede desculpas da boca para fora. Aliás, não se pede desculpas na palavra (ah! e como amo as palavras), no conceito mais adequado, mais assertivo e menos fluido. Não! Não se pede desculpa pela boca, pelo braço, pelas pernas, pelo fígado, corpo e alma dados à matéria. A desculpa, é ação de outra ordem.
A desculpa é radicalmente nossa, ato contínuo da vida humana, de cada um que é errante e busca do outro machucado, da bela moça ofendida, do pai velho e cansado, de um Deus calado escondido, um mísero aceno, um alento, um abraço, uma luz no vagar da esperança.
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A desculpa não é nem espiritual e nem metafísica, nem filosófica e nem científica. Ela é a entrega humilhada daquele que escolheu errado, que se divertiu no escuro e, de repente, sentiu a luz que cega e que brota do sangue, do corpo estrangeiro que a gente sempre traz por dentro.
A desculpa é ponte que se baixa à entrada do castelo, para o maltratado passar com segurança, querendo que ele acredite passar com segurança, se fixando rígida como rocha para única e exclusivamente manter o amado traído em total segurança.
Desculpar é tirar a culpa e esquecer o ato? É andar lado a lado do amor castigado, como um corrimão nas trevas de escadas ensaboadas, e não se quere (ainda) percebido. Dar guarida e sentir-se útil para o coração amargurado. Desculpe-me, disse quem se amava até ontem, desculpe-me do fundo daquilo que me faz ser o que sou (pelo único fato de ter recebido de ti). A melhor parte de mim, dizia o amado, é aquela que necessita da desculpa do teu olhar, e do teu sorriso, e do teu andar, engraçado, indeciso. Só posso ser o que sou pelas desculpas aceitas de que necessito, completa o amante, o amigo, o até ontem indefectível. A partir daí, é tempo e hora de cultivar o jardim, amainar o vento, amansar a fúria do touro que habita nos músculos e em seus movimentos.
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Bela talvez a desculpa levada até o limite da honra, onde a dignidade tem parco abrigo, e na tempestade dos céus envolvida, se entrega ao rio como gota de chuva e raio caído. Bela e única, aliás. Bela, única e desesperada, aliás!
E, de alguma forma, a desculpa é labuta que salva a humanidade, reconstrói templos e espaços, refaz um Taj Mahal de concreto e lágrimas, redige novos mandamentos, recria inéditos poemas ou sobe para os amantes uma nova pirâmide de Quéops num deserto de silêncios e esperanças.
Um dia, aquela amada sofrida, lia um romance que dizia que a vida sem amor era um erro, ainda que para tanto amar, se gastasse a própria vida. Desde então, amada, livro, atos e símbolos, criaram para si sua própria obra-prima: desculpas aceitas? Ei-la, por fim! A dúvida revivida.
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A dúvida sobre a desculpa, sobre esse ato arrependido, essa meia volta para uma volta nova na estrada (imaginada) percorrida. Amiga, amigo, amor e sentido, flecha e arco, cruzando o limite do alvo e refletindo famintos: há desculpa que não se lamenta ou há desculpa que não se desculpa?
E se depois de todo possível feito, de toda expectativa alcançada, a parte sofrida atacada, a parte amada maltratada, disser Não!, a desculpa recomeça seu ato, e como num balé mágico, retorna ao desencontro amargo. Ato (de ser) contínuo novamente, de se humilhar sem esperar, jamais, ser exaltado. E, quem sabe, quem saberá, se na ressurreição do desamparado, o outrora ofensor arrependido, conseguir tão somente, o que já é tudo, o sorriso do amor machucado.
Volta à terra fértil, voltam as ervas daninhas, as flores e o lago, retorna a chuva, o vento, a tempestade e é tempo de recomeçar o sonho do jardim. E mais uma vez, e sempre de novo!
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