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Quando ouço sobre o desdobramento de alguma discussão do momento, sempre penso que partiu de um rascunho de opinião de caráter impositivo, dentro de um falso debate de ideias e quase invariavelmente promovida por um idiota.
Para os gregos da antiguidade clássica, formadores da cultura ocidental, idiota (idiotés) era o indivíduo que, possuindo todos os requisitos para se afirmar como um cidadão e participar da vida política, desistia de fazê-lo ou por ignorância ou por devotar-se aos seus próprios interesses. Ou seja, era a pessoa que incitada e levada às grandes discussões sobre as questões públicas e coletivas, se fechava em torno de si mesma se preocupando com suas idiossincrasias (palavra de mesma raiz, “idios”) .
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É verdade que essa visão pejorativa sobre aqueles que não participavam da vida coletiva, os idiotas, se desenvolveu num segundo momento, a partir da importância cada vez maior na participação da vida pública e das decisões coletivas que envolviam a pólis (cidades-estados gregas). Porém, foi o sentido que mais prevaleceu no entendimento geral. O idiota despreza o coletivo, o que equivaleria a dizer, despreza a história do seu “demo” (distrito) e a sua gênese familiar, ficando, assim, ainda que não perceba, preso e condenado à sua própria insignificância de falante que renega a fala.
Frente a inúmeras demandas sociais que vivenciamos dia a dia, questões de trabalho, educação, saúde etc., somos chamados (vocacionados), como cidadãos, a participar da vida pública, uma vez que é ela quem regula nossas relações sociais e influencia e anima as nossas escolhas pessoais. Por exemplo, o gosto que você ostenta pelas músicas que ouve, é derivado da influência social exercida sobre todos nós, uma vez que a cultura é uma construção contínua de toda uma coletividade. Nessa “geleia geral”, estão a indústria fonográfica, a construção de produtos sonoros, o instrumental de um povo e de um nicho social, as derivações estrangeiras, as referências das gerações passadas, a ideologia e, por fim, suas tendências pessoais que são capturadas nessa avalanche de influenciadores e influenciados. Portanto, quando disser, “gosto não se discute”, lembre-se disso, idiota.
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Para que um indivíduo se liberte da maior parte das amarras do seu grupo, família ou momento histórico, precisa, paradoxalmente, vivenciar a vida pública em toda sua dimensão política. Os grandes debates só podem ser chamados assim, pois nascem de reflexões expostas por discursos onde imperam a capacidade de ouvir e fazer-se ouvir!
Hoje, as redes sociais, esse mega comércio de almas virtuais e autoestima programada, estão repletas de idiotas. Podcasts, instagram, facebook, tik tok, não importa qual o produto do momento, estão abarrotados de idiotas. Partem sempre de seus mundinhos medíocres e interesseiros acreditando ser um universo em expansão. Ditadores de opinião alheia, acham que refletem sobre o que só copiam. E assim seguem sendo racistas, misóginos, fascistas, supremacistas etc. E, é claro, com o apoio incondicional do sistema do qual fazem parte produto e ideologia.
O problema central que quero apontar aqui é o seguinte: ainda que o idiota não perceba o impacto e a importância da política para todas as pessoas, batendo no peito e desprezando essa arte do poder, do diálogo, do discurso e da negociação, ele, ainda assim, influencia muitos a fazerem o mesmo e acharem que suas opiniões são certas e fruto de um pensamento próprio quando na verdade são mugidos e grunhidos que não formam uma reflexão, cópias e repetições de outros tantos idiotas reproduzidas à exaustão por entre esses objetos mercadológicos. Tiranizam a política, esvaziam o seu sentido e acham que sua ditadura da opinião é a própria definição da sociedade em que vivem.
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E se eu te disser que esses idiotas chegam ao poder? Vivendo como se o público fosse algo privado voltado para si e para os seus?
Estamos, então, vivendo numa república de idiotas?
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