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Oi. Escrevo para um qualquer que leia. Da lua. Da lua para a qual, talvez, agora estejam olhando.
Já é noite aqui. Meu relógio de células diz. Aliás, quando não é? Mas dizem que existe um lado ainda mais escuro. Que tantos insistem em querer também explorar. Não vão. Saibam. Escrevo só. Ninguém aqui para compartilhar um sonho, mas, também, não me consomem os pesadelos. E sigo sem dormir. São. Ciente.
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Não vejo mais a circunferência da Terra. Minha miopia tem me matado e lentes antirreflexo não me servem de nada. Nem aquelas com as quais deixei a casa da família. As que mudam de cor para um controle de luz.
Quando me diziam para esquecer os problemas e focar no aqui e agora, não pensavam em outras possibilidades que não as de viver em negação e pagar boletos de dívidas. Se aqui padecer doente, serei pandemia de um homem só. Eudemia. Egodemia.
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Não jogue seu tempo em vã loteria, não amaldiçoe o céu e nem vá aos campos de trigo para outro fim que não seja o de se colher o pão ainda em espiga. Braços e corpos solidários sempre farão a mágica acontecer. Aceite que tudo termina conforme o combinado: vontade e natureza implacável. Implacável, não injusta. Há uma diferença que faz toda a sorte cair pelo chão.
Da lua, nua e crua. Lembre-se que não te vejo e é incerto que me leia. No breu, passei, depois de muito tempo e autoaprendizado, a enxergar com os olhos daquilo que chamamos alma. Talvez. Muito talvez, na verdade. Pois é mais ousadia de minha parte do que certeza. Aliás, nada é certo ainda que nem tudo seja relativo.
Por dentro, então, vi uma galáxia em meu estômago. Ou algo do tipo. Mas não sentia mais a gastrite que de tanto me acompanhar durante toda minha vida pregressa, já supunha que a gastrite é quem me tinha. Como uma inflamação daquilo que a natureza expele. E não sei mais se são as roupas especiais ou o que sobrou delas em mim que me projetaram para essas outras formas de sentir. Há tempo que não respiro como aí. Como se guelras ou coisas do tipo me fizessem soprar o vento que não existe.
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Dessa escuridão, os planetas que acredito ver são minúsculos, circunscritos a uma volta num quarteirão qualquer de Sarajevo, uma pequena rua rural na China, um topo piramidal em Machu Pichu, a casa da sogra de Pedro ou meio canal de Santos. Pois também perdi as medidas matemáticas e tudo agora meço com as sensações da imaginação traiçoeira. E são muito pequenos esses espaços sólidos.
Não sinto frio nem espero o amanhecer para começar a fazer o mate. Ao contrário do que disseram, aqui tenho minha própria ‘Ilex paraguariensis' nascida das pedras e ao lado de um filete de rio brotando de dentro e que me sacia e se esquenta de quando em quando. Cada mineral que apalpo é um mundo novo, mas fiz morada ao lado das plantas. Escuro. Sem som e não me faz falta o marulho de todo o mar, Poseidon, próximo de onde habitava. Embora seja bem verdade que uma reprise de Argentina e Inglaterra de 1986, o toque “Libertango” de Piazzolla e o discurso de Yasser Arafat na ONU de 1974 fazem alguma falta. Estranho a solidão que me habita e eu não sinto. Na escuridão do dia, nem noite, nem firmamento se apresentam para uma companhia e não preciso. Assim, creio, satisfaz-se Demócrito de Abdera, o grego filósofo anterior a Sócrates, que sustentava sorrindo a ideia de que tudo é átomo (enquanto coisa de provável matéria) e vazio (enquanto absoluto povoando a movimentação possível).
Nada daqui tem validade lógica no sentido de argumento, afinal, contrastes se somam unidos, sumidos, torcidos, não diferenciados. Um dia, talvez, a nave repouse bruta para que aqui faça morada os escravocratas de ontem. Odiosos à humanidade. Horrendos. Eu, aliás, estou por aqui esquecido numa campanha espacial que poderia ter sido. Não foi.
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Sinto algum cheiro que por certo, suspeito, vem do planeta água, uma mistura de plástico e fumaça. Ando só e continuo firme e esse aviso escrevo tateando o que acredito ser rocha-carvão e pedra-madeira. Não vejo. Solto no espaço. Faz eco mas não me ouço.
É da lua. Aqui da lua, nua e crua. Ouçam Félix Guattari, se bem me lembro: “Chernobyl e a Aids nos revelaram brutalmente os limites dos poderes técnico-científicos da humanidade e as "marchas-à-ré" que a "natureza" nos pode reservar. É evidente que uma responsabilidade e uma gestão mais coletiva se impõem para orientar as ciências e as técnicas em direção a finalidades mais humanas. Não podemos nos deixar guiar cegamente pelos tecnocratas dos aparelhos de Estado para controlar as evoluções e conjurar os riscos nesses domínios, regidos no essencial pelos princípios da economia de lucro. Certamente seria absurdo querer voltar atrás para tentar reconstruir as antigas maneiras de viver. Jamais o trabalho humano ou o hábitat voltarão a ser o que eram há poucas décadas, depois das revoluções informáticas, robóticas, depois do desenvolvimento do gênio genético e depois da mundialização do conjunto dos mercados.”
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