Olhar Filosófico
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Para cristãos de todas as denominações consideradas apostólicas (e derivadas), a solenidade de Corpus Christi é de extrema importância para a vivacidade e fortalecimento da fé.
Embora seu início remonte há uma decisão papal de meados do século XIII, às convicções de uma freira belga e a um milagre vivenciado por um padre, fato é que se tronou uma celebração importante também em nossa cultura popular.
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Como o nome diz, Corpus Christi é a afirmação da eucaristia, vista e recebida como o Corpo de Cristo pelos cristãos (católicos romanos, ortodoxos, anglicanos e de denominações descendentes) de todo o planeta.
Que cristãos celebrem seu mistério maior é algo natural, obrigatório e identitário. O que muitas vezes me pergunto é, se ao celebrarmos o Corpo de Cristo, também vislumbramos, materializado nele, o Corpo do Povo, preferencialmente, o Corpo dos Pobres?
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Digo isso, pois, muitas vezes, as celebrações se perdem numa espécie de rococó litúrgico estéril e sem vocação popular, como se ao celebrar esse corpo lhe retirássemos a mente, a boca e os gestos que Nele se constituem aquilo que seria a expressão exata da razão divina. Isto é, em toda tradição cristã, o ponto alto da revelação se dá na figura do Filho do Homem como cabeça, tronco e membro verdadeiramente humano e verdadeiramente divino, palavra e ação de um Deus que, até então, só se mostrara, paradoxalmente, escondido.
Isso mostra que tudo que o Pai quis dizer, o disse pelo Filho até o último suspiro na Cruz. E aquilo que o Filho disse, a tradição nos legou um bocado de razões, ações, emoções e revoluções.
Nasce pobre, entre os pobres, mantem-se pobre e, a partir dos pobres, promove a leitura, a interpretação e a revolução do reino de Deus. Assim sendo, Jesus teria sido o libertador por excelência e imitá-lo seria um gesto libertador também.
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E é aí, e somente a partir daí, que penso tentar viver (pois é difícil ser coerente e radical o tempo todo) o carisma de uma teologia de libertação, mais precisamente, da teologia da libertação.
Há muito que a Teologia da Libertação dizia ao mundo, a partir da vivência de padres e freiras nos guetos latino-americanos com a espiritualidade de grandes teólogos protestantes, que aquele que não condena e luta com todas as suas forças contra o materialismo, o lucro, o poder e a desigualdade social dela se serve, ao capital se curva e bom cristão não é.
A Igreja no Brasil também tomou maior consciência de suas dimensões comunitárias e de suas responsabilidades políticas a partir desse legado libertador. Não parou mais de incluir em suas atitudes a opção preferencial pelos pobres.
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E, agora, passados quase sessenta anos, a impressão que muitos têm (ou são induzidos a ter) é que os teólogos, padres e leigos da teologia da libertação não existem mais, afinal, morreram ou envelheceram, foram vencidos em suas teses e ultrapassados em suas práticas. Ledo engano.
Antevendo o legado dessa corrente prático-teológica, disse sobre tal teologia até mesmo o conservador João Paulo II (tão sequestrado por memorialistas neoliberais) no início de sua longa jornada papal: “Este serviço prestado à verdade, participação no serviço profético de Cristo, é missão da Igreja, que procura cumpri-la nos diversos contextos históricos. É necessário chamar claramente pelo nome a injustiça, a exploração do homem por parte do homem, a exploração do homem por parte do Estado ou por parte dos mecanismos inerentes aos sistemas e aos regimes. É necessário chamar pelo nome toda a injustiça social, toda a discriminação e toda a violência infligida ao homem no que se refere ao seu corpo, ao seu espírito, à sua consciência, à sua dignidade de pessoa e à sua vida.
A libertação, mesmo no significado social, toma início no conhecimento e na proclamação corajosa da verdade, sem manipulações e sem falsificações de importância.”
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E, ainda, na linha dos ares libertadores dessa mesma teologia, numa mensagem para a paz mundial, reforçou Bento XVI, visto como o papa da fé conservadora, "(...) é decisão sensata realizar uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e também refletir sobre o sentido da economia e dos seus objetivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações (...) «cada decisão econômica tem consequências de carácter moral», é necessário também que a atividade econômica seja mais respeitadora do ambiente (...) que a tutela da propriedade privada não dificulte o destino universal dos bens."; e por aí vai toda a mensagem.
E, enquanto isso e por tudo isso, teólogos, religiosos e leigos da Teologia da Libertação, não como grupo fechado ou de escolhidos, caminham comunitariamente e sem alarde semeando, revigorando a Palavra de Deus, primando pela boa-nova revolucionária, pela reflexão crítica profunda e, ainda, se animando cada vez mais para efetivar, desde já, o reino de Deus a partir dos pobres, filhos diletos Dele.
“Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um. Unidos de coração frequentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros que estavam a caminho da salvação.” (Atos dos Apóstolos 2, 42-47)
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Corpus Christi, Corpus Populi!
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