Continua depois da publicidade
Há pouco, por assim dizer, ato contínuo, a historiadora da nossa pré-história humana, Marylène Patou-Mathis, nos disse que “a violência não está gravada em nossos genes. Seu surgimento tem causas históricas e sociais – o conceito de “violência primordial (original)” é um mito. A guerra não é, portanto, inseparável da condição humana, mas sim o produto das sociedades e das culturas que geram. Como mostram os estudos das sociedades humanas primitivas, quando confrontados com crises, uma comunidade é mais resiliente se for baseada em cooperação e apoio mútuo, em vez de individualismo e competição.” Antes e depois, ato contínuo, afirmaram muitos. Outrora, ato contínuo, dizia Thomas Hobbes, “portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua própria invenção. Numa tal situação não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto; consequentemente não há cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta.” Depois, desnudando o oculto, Karl Marx, ato contínuo, diria que “é sabido o grande papel desempenhado na verdadeira história pela conquista, pela escravização, pela rapina e pelo assassinato, em suma, pela violência. Na suave economia política o idílio reina desde os primórdios. Desde o início da humanidade, o direito e o trabalho são os únicos meios de enriquecimento, excetuando-se, naturalmente, “o ano corrente”. Na realidade, os métodos da acumulação primitiva nada têm de idílicos.” Logo após, Sigmund Freud, ato contínuo, diria à hipocrisia que, outrora, no início, “matar um inimigo satisfazia uma inclinação instintual (...) Porém, a intenção de matar opor-se-ia à reflexão de que o inimigo podia ser utilizado na realização de serviços úteis, se fosse deixado vivo e num estado de imitação. Nesse caso, a violência do vencedor contentava-se com subjugar, em vez de matar, o vencido. Foi este o início da ideia de poupar a vida de um inimigo, mas a partir daí o vencedor teve de contar com a oculta sede de vingança do adversário vencido e sacrificou uma parte da sua segurança.” Depois, aqui, Gilberto Freyre disse, ato contínuo, que “a história social da casa-grande é a história íntima de quase todo brasileiro: da sua vida doméstica, conjugai, sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo; da sua vida de menino; do seu cristianismo reduzido à religião de família e influenciado pelas crendices da senzala.” Em tempo, Franz Fanon, ato contínuo, globalizava, “exploração, torturas, razias, racismo, liquidações coletivas, opressão nacional, revezam-se em níveis diferentes para fazerem, literalmente, do autóctone um objeto nas mãos da nação ocupante. Este homem-objeto, sem meios de existir, sem razão de ser, é destruído no mais profundo da sua existência. O desejo de viver, de continuar, torna-se cada vez mais indeciso, cada vez mais fantasmático.” E, na terra em transe, ato contínuo, Joaquim Nabuco projetava, “é que tanto a parte do senhor era inscientemente egoísta, tanto a do escravo era inscientemente generosa. A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil.” E mesmo que Nabuco não futurasse, ato contínuo, o grito das pedras também se ouviam. O cheiro quente do sangue também, também. Do sangue alheio, vertido, ato contínuo, ao som das marchas marciais do deslumbre para poucos, da terra de todos, feitos tolos.
Ei-la, enfim, cara de pau, mórbida e sem graça, ei-la, a raiz violenta que não é raiz, é condição, ato contínuo, e é endinheirada e frondosa e forma da estrutura do prédio oco que ocupamos nessa terra brasiliana. A violência afortunada em planícies desiguais, capital e capitais. Ato contínuo, quatro anos mais da maldita inspiração pela boca do maldito, dos que maldizem. Quatro anos atrás. Seis anos atrás. Mais e mais, ama de leite, ama de arma. CAC. CAC. CAC. CAC. Arma de arma e um motivo de ódio. Acerta o pobre, por engano, mas acerta que tudo parece bem. Ato contínuo. Acerta o comunista, a mulher, acerta o cristão, acerta o filho dos outros, a criança e na família tudo parece bem. Acerta o umbandista, o muçulmano, o judeu, professor e jornalista, o preto, o preto, o ateu, a preta, a preta e de certo que tudo está bem. Defende o banco, profana, defende o branco da grana (de sempre) e deus parece estar bem, ainda que não seja ninguém. Esse, o teu, não seja ninguém. Ato contínuo, ninguém! Ninguém!
Continua depois da publicidade
Continua depois da publicidade