Olhar Filosófico

Ainda não

Continua depois da publicidade

No Brasil profundo. Norte. Um Ticuna assobia um canto concreto, colhe a raíz e se admira do olho do guaraná. Junto, entretido com o catitu, um filho. Nada se aproximou mais da terra sem males do que a cena. Nada de eldorado. Nada. Comovido. Passou os olhos e entendeu. Ainda, se admira o óbvio. Esses não-civilizados. Dia a dia, dia desses, os bem-educados sentem raiva por pouco e se enterram em conspirações. Ele não. Ele nunca. Ele ali, quase-humano, embasbacado diante da flor do guaraná. Aquele olho, um guaraná. E algum conhecimento junto. E o pai, o filho e o espírito selvagem.

Faça parte do grupo do Diário no WhatsApp e Telegram.
Mantenha-se bem informado.

De longe. Cena e cenário penetram significados e trocam de sentidos. Tudo permanece simples. Adulto, criança. Um tronco de Parapará. Catitu. Mata fechada. Mas tudo também é entrada. E saída. Calados e fixos na terra a ouvir o som do contexto. De longe emocionado, seu espírito refletia o encontro.

Continua depois da publicidade

Como quem pode, e pode unicamente sempre, deseja. E tudo permanece mudando. Em sintonia. Percebe-se na falta de tato, olfato, paladar. Aquilo nos abre o limite da integração. Mas deseja. Aquele sumo da admiração. Nada é pecado até que alguém aponte e defina. Comprima. Compassivo. Ele nada define. Compõe. Como quem pinta um quadro permitindo que a tinta comande o processo. E a tinta não seca. Ora é um ser humano (quase-humano), ora é um ser bicho ou ser pedra. Ora e labora. Aquele que sacrifica as mãos para debulhar o fruto e comer do tempo da maturação.

Nada que seja assim novo. E tudo é boa-nova. Óbvia. Ao alcance da mão, da boca, do corpo. Daquela já dita tinta que é todo o quadro. Compadecido. Feliz. Seu testemunhar era sonho e sentinela. Aquela cena. O valer a pena. Valer a cria. Cronometrar o infinito para que não acabe a luta. Sustentação. O valer a pena. Valer a cria. Olhando o entorno. E jamais vislumbraria a si. Nada acaba até que se diga. Que queira. Céu e terra. E todo o resto que não é desprezo. É universo. É fogo e cometa. Água e momento.

Continua depois da publicidade

Nos planetas. Estrelas e aquilo ainda sem nome. Tudo ao toque do sorriso. Simples.

Óbvio. E se permanecesse. Mas curiosidade é quem cria o mundo. Mundos. Nada que seja assim novo. Recriar a permanência. No efêmero daquela cena, por exemplo. Num lugar abraçado pelo vento. Mato e lagoa. Cercado pelo sol. Numa folha de capim. Raiz de aipim No ruminar do boi. Pelo coaxar dos sapos e na ligeireza das baratas. Também aí a graça abunda. Também aí todo o conhecimento do mundo e causa do universo. Para que tudo seja. Ele quis. Ou ela. Não há absurdo na fundação da vida. Das rochas que respiram a seu modo. Não há absurdo. Um legume e a sensação de plenitude. O cupuaçu. Aquela cena. E não há guerra que se sustente na justificativa do cuidado. Cuidar só para que floresça. E proteger é deixar que viva. Viva. E a alegria faz morada. A felicidade a um palmo da cara. A um toque do peito. Quem celebra faz em memória. E memória é permanência de um tempo. Não finda. E surge como dádiva. Daquilo para não lembrar, refaz-se. E gravado na pele da lua todo segredo. E todo segredo nos pés de um jardim. Com a existência criada. Não se jogou a chave fora. Olhava novamente a cena. Nem distante nem perto. Era das eras. Aquilo a que se apela. Aquele. Aquela. E o pequeno catitu se afastou para mais dentro da mata da floresta. E continuavam os dois ali. Admirados da fuga. Da andança e do fruto guaraná. Um pequeno olho que tudo vê. Plantava milho. Colhia a mandioca e refletia além. Para tudo aquilo. Imagina o senso de humor daquele a que se tanto apela. Ou aquela. Um passo e o catitu ainda era visto. E pensavam, pequenino, daquilo que se escondia tão belo. E bailavam nas expressões do sucesso das empreitadas. E não tinha Colombo, Cabral. Nada. Muito menos Hernán Cortez. Nunca tiveram. Nunca vieram. Na graça daquele, deixaram de ser. Nunca existiram. E a vontade ali, horizontalizada. Ambos. Entre a natureza do conjunto. Quase-humana erguida. E “os quase-humanos são milhares de pessoas que insistem em ficar fora dessa dança civilizada, da técnica, do controle do planeta. E por dançar uma coreografia estranha são tirados de cena, por epidemias, pobreza, fome, violência dirigida.” (KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019)

A memória plena. Marte, Júpiter, poeiras e os ainda intocados. A floresta. Na cena ali vista. Revisitada. Adaptada ao seu carisma. Cravada em seu jeito. O senso de pertencimento de tudo ter feito. Como quem cozinha um grão e extrai todo alimento. Como quem lê um livro e extrai todo sentido. E o desejo de continuar. Imbuído de outra vez mais não acabar em arrependimento. E acabar com aquilo. Ou aquele. Ou aquela.

Continua depois da publicidade

Mais lidas

Conteúdos Recomendados

©2024 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software