Olhar Filosófico
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Num mundo tomado majoritariamente da ideia capitalista de que você é o que consome e consome a si mesmo naquilo que não é, onde tudo vale quanto pesa e pesa o que não vale, onde só é útil aquilo que se dá preço e se resolve no imediato, do riso ao choro, do like ao sorry, devemos ter bem claro, que a noção do útil tal como a conhecemos, passou a exercer um status próprio de valor e/ou princípio depois da chamada Revolução Industrial e com o aprofundamento da denominada Sociedade de Consumo, como bem esclarece o memorável professor Eduardo Prado de Mendonça, quando se refere aos desdobramentos da noção do útil tanto na esfera da ordem prática quanto da ordem teórica. Diz ele em seu sempre atual “O mundo precisa de filosofia”, que a partir da construção da máquina, desenvolveu-se no senso comum a mentalidade utilitarista, em que, na ordem prática, o indivíduo social passou a ser julgado e valorizado por aquilo que é capaz de produzir, e na ordem teórica, dominada pelo pragmatismo doutrinário, pelos objetos frutos da demanda econômica capaz de criar o progresso técnico da sociedade. E, então, ele torna-se não mais do que um objeto de uso, e “procura produzir, mas sofre, embora não tenha consciência disto, a experiência de se ver instrumento de uma ação cuja direção final não alcança.”
E é nessa perspectiva, tal como explicitada pelo professor Prado, que faz eco, por exemplo, e mais uma vez, a necessidade da Filosofia defendida enquanto prática de liberdade pelo célebre filósofo alemão Josef Pieper, qual seja “A filosofia é ‘inútil’ no sentido de aproveitamento e aplicação imediatos _ isso é um lado. O outro consiste no fato de a filosofia não se deixar usar, de não ser disponível para fins que estejam fora dela mesma, de ser ela mesma um fim. (…) Não saber ‘útil’, mas ‘livre’. Essa liberdade, porém, significa que o saber filosófico não recebe legitimação a partir de sua utilidade e de sua aplicabilidade, de sua função social, de sua referência à ‘utilidade comum’.”
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Isto posto, diferentemente do que muitos supõem como tarefa da Filosofia na escola, uma espécie de bate-papo mais qualificado e permeado de cultura, a professora Marilena Chauí, uma das mais renomadas e influentes filósofascontemporâneas, a vê como uma necessidade à formação humana integral da criança, do adolescente e de todos, fortalecendo uma proposta cada vez mais democrática de sociedade.
Para Chauí, a Filosofia é uma análise, uma reflexão e uma crítica e não pode se deixar enclausurar numa doutrina, numa ideologia da verticalização hierárquica do pensamento, em que se parte da ideia de haver um pensamento certo, definido e ordenado, pronto a ser passado à memorização controladora da escola ou universidade. Definitivamente, isto não é saber, muito menos saber filosófico. Marilena vê na Filosofia mais que um conjunto de informações, um processo, porque, tendo em vista suas atividades de reflexão-análise-crítica, seu status epistemológico, não possui nem a pretensão técnico-científica nem a profissão de fé religiosa, mas, antes, orienta-se à “elaboração de ideias sistemáticas e demonstradas sobre a realidade e os seres humanos.”
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Ela, a Filosofia, em seu ofício curricular, deve ser essencialmente provocadora de questionamentos fundamentais ao entendimento do indivíduo por ele mesmo e pelo esclarecimento das mediações histórico-materiais que o constroem. Daí, a Filosofia na concepção de Chauí, não poder ser tratada como mais um item de informações do currículo escolar burocratizado; pelo contrário, deve, ao lado das demais disciplinas escolares, ser parte do dinamismo de ensinar-aprender, em que o bom professor pode fazer surgir seu “ponto de emergência”, isto é, “o prazer do pensamento pela aquisição de conhecimentos”.
Por fim, Marilena Chauí discorre sobre a possibilidade de a Filosofia ser ou não útil, e eis que nos deixa um argumento esclarecedor e imbatível: “Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para ser conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.”
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