Olhar Filosófico

A rolinha e o pregador: quase fábula

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Li, faz tempo, uma quase fábula d’um Esopo modernizado. Ei-la.

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Naquele varal não cabia mais um pedacinho sequer de roupa. Assim como um dia cheio, uma hora é preciso dizer Basta! Já deu! Eis o varal de roupas e histórias.

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Acontece que para um pregador a imagem talvez engane e, guiado por mão tresloucada, pode fazer besteira e entrar para ocupar um espaço que não devia.

E alguém colocou uma cueca do avesso por cima de uma camisa polo bastante puída que possivelmente havia sido amarela e agora jazia esbranquiçada no varal. Uma peça íntima agora presa por um pregador.

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Pregador de plástico, um tanto arreganhado nos arames laterais que fazem a vez de mola para abrir e fechar a sua boca. Quase uma imagem de ventríloquo.

Como se não houvesse amanhã, o Sol a pino e a chuva longe, o pregador parecia seguir firme naquilo que não lhe pertencia, onde a mão, no mínimo intrometida (ou totalmente insuportável_e ele não era o primeiro, nem o último), ousou colocá-lo.

Às vezes não analisamos o poder e/ou a desfaçatez de um pregador guiado pelo interesse próprio da sua armada mão. A roupa não seca e se seca, fede como edredom que secou à sombra dentro de um apartamento. E pregador não para. Rouba posição, toma espaço e alimenta-se de umidade e microfungos para fazer imperar sua vontade. Estar ali sem ser chamado, sem, ao menos, cabendo em meio a apertada harmonia.

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Mas para todo pregador “metido a besta” num varal longo de quintal amplo, há de se ter um castigo uma hora ou outra. Uma “paga ao contrário” como se diz por aí. E é bom que se diga que não é à toa que a simbologia da liberdade ou da esperança foi traduzida em inumeráveis culturas pelos pássaros mais calmos e leves planadores assim como pelos de rapina com o senso de seus inúmeros ataques rasantes. Todavia, aves.

A rola, por sua vez, é uma ave que há tempos ocupa grande parte das paisagens urbanas em diversas metrópoles do mundo. E são do reino Animalia, do filo Chordata, da classe Aves, da ordem Columbiformes, da família Columbidae e, por fim, do gênero Streptopelia. Para muitos, um pássaro grotesco disseminador de doenças, para outros uma ave dócil, lerda e dada a rompantes de loucura, como atravessar em meio a carros em alta velocidade, ciscar rabos de gatos e esperar para ser pega e virar churrasco de famintos (ou grandes chefs). Acontece que para todo pregador com pretensão de varal, a natureza criou uma rola. E isso é de conhecimento até do mundo mineral.

E são muitas as suas espécies: Rola-comum ou rola-brava (donde estão as rolinhas e os pombos), a Rola-escura, a Rola-camaronesa, a Rola-oriental, a Rola-turca, a Rola-rosada, a Rola-gemedora, a Rola-do olho-vermelho, a Rola-do-cabo etc.

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Por algum motivo ainda desconhecido, rolinhas, pombas, rolas são atraídas por pregadores.

Naquele varal não seria diferente. Naquele terreiro amplo, com dois bambus verticalizados a levantar um grande fio, não seria diferente. Mesmo que uma mão o conduzisse (descobriu-se pouco lógica e tão “cheia de si” quanto o pregador_não era o primeiro, nem o último), espaços existem para serem respeitados. Imagine você, por exemplo, abrindo um vídeo para ouvir sobre mansidão e tolerância e do outro lado aparecesse um indivíduo gritando e vociferando ódio em nome sabe-se-lá-de-quem. Impossível conceber. Seria um contrassenso se tal fato existisse.

Mas lá estava o pregador e sua cueca orgulhosamente pendurada num espaço sem volta, num lugar sem por quê. E aquela rola que andava tranquila pelo chão, rolinha a ciscar restos invisíveis, notou aquele pregador sozinho, mequetrefe e por um hábito há tempos conhecido, bicou com força o pregador e o levou para longe. No chão a roupa íntima, suja, embarrada naquele vigoroso terrão. Rola e pregador sumiram no horizonte do óbvio e a fábula se desfez do sentido.

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Moral: pregador que não prega certo, espera pela rola que lhe procura.

Vai entender essas fábulas! Meninos, eu li!

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