Olhar Filosófico
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Alguns desavisados ainda pensam que muitas das ignorâncias e excrescências dos nossos dias (assustadoramente orgulhosas de si), nasceram ontem ou são um fenômeno pós-redes sociais. Que bobagem! A brutalidade e a repulsa ao conhecimento sempre andaram de mãos dadas, encarnados naqueles e naquelas que fazem da vida um campo de batalha cujo único objetivo é construir um caminho de vantagens à custa da exploração e do apagamento das diferenças por meio do ódio de classe, da misoginia, do racismo e do preconceito em geral. A perversidade sempre gritou entre os chamados conservadores do mundo, ultraliberais da política ou religiosos de um deus que pune, odeia e massacra o que não agrada aos seus séquitos. A perversidade é um fato que, conforme o regime, se reverencia e se toma como princípio moral de esperteza e empreendedorismo de resultado.
A filosofia, desde Sócrates, é verdade, sempre foi vista (com ou sem razão) como um mal aos sistemas que se sustentam e querem fazer prevalecer sua visão de mundo como única, justa e dogmática. Por isso mesmo, é interessante observarmos como se repetem as fórmulas (prontas) para se acabar com essa área do conhecimento humano responsável pela análise do pensamento sistematizado e crítico, além do rigor lógico-intelectual cobrado na produção das opiniões, teses e teorias. Vejamos.
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No Brasil, o dia 31 de Março (ou 1º de abril) de 64 foi mais um desses dias que a história da democracia e da liberdade dos povos não poderá jamais esquecer. Sob o pretexto de que o presidente João Goulart queria, por meio de leis como a das reformas de base, dar viés comunista ao seu governo, os militares tomam, por meio de um golpe de Estado, o poder político no Brasil (aliás, ainda que longe das intenções do presidente, é de se lembrar que o comunismo era (é) a ideologia sempre vista como um mal pela elite econômica influenciada pelos ideais estadunidenses). A partir de então, por vinte e um anos, cinco generais se alternaram no comando do país. As botas militares suplantarão a democracia brasileira, será um pisoteio aos direitos humanos, às reformas estruturais de base, a um projeto de nação livre, soberana e independente e, é claro, à pobre filosofia (ainda incipiente) nos bancos escolares e acadêmicos.
Aliás, como sustentam os professores Luiz A. Cunha e Moacir de Góes, “a tomada do poder no Brasil em 1964 não foi um simples golpe latino-americano, nem mais um pronunciamento, e sim uma articulação política de profundas raízes internas e externas, vinculada a interesses econômicos sólidos e com respaldos sociais expressivos. Não foi coisa de amadores. Tanto é assim que, passados os primeiros momentos de perplexidade, o novo Estado emergiu do figurino do IPES (Instituto de Pesquisas E Estudos Sociais) com objetivos programados, metas estabelecidas e, naturalmente, com os homens que se apossaram do poder. (...) No campo da educação houve um corte profundo, pois, aos olhos do novo sistema, a educação “com” (de hierarquia horizontalizada e democrática) só poderia ser “subversão”. Como fazer o controle do sistema educacional, através de técnicas que facilitassem a divulgação da nova ideologia condizente com os interesses do capitalismo?
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Novos mecanismos foram desencadeados: a repressão se abateu sobre os intelectuais comprometidos com as reformas, e o Estado foi buscar meios de criar novos quadros. Não precisou muito. À mão estava a sua fonte de poder: a Aliança para o Progresso. A USAID (Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional), agência confiável (pois, patrocinadora dos grandes golpes para o capitalismo norte americano no cone Sul), incumbiu-se da missão.”
É de se ressaltar que desde 1964 o governo militar vinha firmando a formalização de um acordo de consultoria a ser prestada pelos Estados Unidos da América (concretizado pela Lei 5.540/68) que mudaria gradativamente a visão da própria finalidade da educação escolar formal brasileira; era o acordo MEC-USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). Como diz o professor Dermeval Saviani, “configurou-se, a partir daí, a orientação (...) produtivista de educação. (...) na forma dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade (...) ‘máximo resultado com o mínimo dispêndio’.”
Pouco antes do Natal de 1968, em 13 de dezembro, a ditadura militar, sob o cassetete do general Costa e Silva, decreta o Ato Institucional de número 5 (AI5). O mais perverso promulgado até ali. Haverá, na prática, a estipulação do pensamento único (capitalista de exceção, moralista e direitista, ou seja, fascista, hipócrita e conservador). Professores considerados ‘esquerdistas’ serão exonerados e/ou exilados, movimentos educacionais para a alfabetização popular como o MEB (Movimento de Educação de Base), desenvolvido pela Igreja Católica (que na maior parte do tempo apoiou o regime!), que já vinham sendo minados pelo Estado, serão proibidos, e seus mentores, Paulo Freire e Anísio Teixeira, talvez sejam os maiores exemplos na educação de cidadãos caçados e cassadosem seus registros profissionais e em suas vidas pelo regime de exceção, de ignorância e de brutalidade.
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Após 1968, a educação (o sistema educativo como um todo), portanto, passa a ser, mais do que nunca, o braço ideológico do Estado Nacional. Ocorreu uma mudança de grades, disciplinas e perspectivas de ensino, chegando ao ano da reforma das diretrizes educacionais de 1971. O CFE (Conselho Federal de Educação) continuava a se eximir de ‘dispor’ da grade curricular geral, ficando apenas com um chamado núcleo comum de disciplinas obrigatórias, delegando e empoderando os Conselhos Estaduais de Educação dos Estados do Brasil (CEEs), governados pelos interventores e seguidores agraciados do regime.
E após nova alteração na grade curricular em seu núcleo comum obrigatório (Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências) e retirada do, já frágil, status de complementaridade, a Filosofia será, enfim, excluída. Em seu lugar serão inseridas as disciplinas (que já haviam começado a ser introduzidas em 1969, fruto de um Decreto-Lei) Organização Social e Política Brasileira (OSPB) (como complementaridade aos Estudos Sociais) e a ressuscitada do Estado Novo, Educação Moral e Cívica (EMC) - esta obrigatória nos 1º e 2º graus, vista por muitos como bandeira ideológica do regime.
Pois bem, há quem ainda bata no peito e profira a velha máxima de que: “No meu tempo, sim, “A GENTE” sabia o hino nacional e existia disciplina”. Só esquece de dizer (ou perceber!) o dito cujo porta-voz da imbecilidade, que, naquele tempo, esse “agente” era outro e o que não existia era o Brasil!
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