Olhar Filosófico

A Filosofia e a Ditadura: o ódio militar à liberdade de pensamento

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Em tempos de excrescências (pseudo)educacionais, como os colégios cívico-militares, é preciso lembrar outra vez e outra vez e outra vez e sempre...

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O 1º de abril (31 de Março) de 64 foi um desses dias que a história da democracia e da liberdade dos povos não poderá jamais esquecer. Sob o pretexto de que João Goulart, vice-presidente que assumiu democraticamente a presidência da República quando da renúncia de Jânio Quadros, queria, por meio de leis como a das reformas de base, dar um viés comunista (visto como um mal pela elite econômica influenciada pelos ideais estadunidenses) ao seu governo, os militares e o grande empresariado tomam, por meio de um golpe de Estado, o poder político no Brasil. A partir de então, por vinte e um anos, cinco generais se alternarão no comando do país. As botas militares suplantarão a democracia brasileira, será um pisoteio aos direitos humanos, às garantias individuais, às reformas estruturais de base, a um projeto de nação livre, soberana e independente: “A tomada do poder no Brasil em 1964 não foi um simples golpe latino-americano, nem mais um pronunciamento, e sim uma articulação política de profundas raízes internas e externas, vinculada a interesses econômicos sólidos e com respaldos sociais expressivos. Não foi coisa de amadores. Tanto é assim que, passados os primeiros momentos de perplexidade, o novo Estado emergiu do figurino do IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) com objetivos programados, metas estabelecidas e, naturalmente, com os homens que se apossaram do poder. (…) No campo da educação houve um corte profundo, pois, aos olhos do novo sistema, a educação com só poderia ser “subversão”. Como fazer o controle do sistema educacional, através de técnicas [grifo meu] que facilitassem a divulgação da nova ideologia condizente com os interesses do capitalismo? Novos mecanismos foram desencadeados: a repressão se abateu sobre os intelectuais  comprometidos com as reformas, e o Estado foi buscar meios de criar novos quadros [grifo meu]. Não precisou muito. À mão estava a sua fonte de poder: a Aliança para o Progresso. A USAID (Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional), agência confiável, desincumbiu-se da missão.” (CUNHA; GÓES, 2002: 31)

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Em 1968, pouco antes do Natal, em 13 de dezembro, a ditadura militar, sob o cassetete do general Costa e Silva, decreta o Ato Institucional de número 5. Um dos mais duros golpes à democracia já vistos. Haverá, na prática, a estipulação do pensamento único (direitista e conservador). Professores considerados ‘esquerdistas/comunistas’ serão mandados embora e/ou exilados, movimentos educacionais de caráter popular como o MEB (Movimento de Educação de Base), desenvolvido pela Igreja Católica, que já vinham sendo minados pelo Estado, serão proibidos, e seus mentores, Paulo Freire e Anísio Teixeira, talvez sejam os maiores exemplos na educação cassados e/ou caçados em seus registros profissionais e em suas vidas pelo regime de exceção: 

“Art. 1º - São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.

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Art. 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.

§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.

(...) Art. 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:

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I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;

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IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;

b) proibição de frequentar determinados lugares;

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c) domicílio determinado (...)” (Art. 1º, 2º e 5º. ATO INSTITUCIONAL Nº 5 DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968).

Após 1968, a educação, portanto, passa a ser, mais do que nunca, o braço ideológico do Estado Nacional. Ocorreu uma mudança de grades, disciplinas e perspectivas de ensino e educação, chegando ao ano da reforma das diretrizes educacionais de 1971: “(…) os objetivos proclamados na Lei 4024/61 não foram revogados pelas Leis 5540/68 e 5692/71. Não se deve, porém, inferir daí que essas leis estejam impregnadas do mesmo espírito. Uma vez que a continuidade sócio-econômica só pôde ser garantida através da ruptura política, inevitavelmente o espírito acabou sendo alterado. A inspiração liberalista que caracterizava a Lei 4024 cede lugar a uma tendência tecnicista nas Leis 5540 e 5692. Enquanto o liberalismo põe a ênfase na qualidade ao invés da quantidade; nos fins (ideais) em detrimento dos métodos (técnicas); na autonomia versus adaptação; nas aspirações individuais ao invés das necessidades sociais; e na cultura geral em detrimento da formação profissional, com o tecnicismo ocorre o inverso. Ora, enquanto os princípios da Lei 4024 acentuavam o primeiro elemento dos pares de conceitos acima enunciados, os princípios das Leis 5540 e 5692 inegavelmente fazem a balança pender para o segundo.” (SAVIANI, 1985: 148)

O governo federal, com a promulgação da 5692/71, continua, na letra da lei, mantendo os objetivos gerais da Lei 4024/61, ou seja, resumido em seu Artigo 1º: Autorrealização do educando; 2º Qualificação para o trabalho; 3º Preparo para o exercício consciente da cidadania: “Completando esse processo, foi aprovada, em 11 de agosto de 1971, a Lei n. 5.692/71, que unificou o antigo primário com o antigo ginásio, criando o curso de 1º grau de 8 anos e instituiu a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, visando atender à formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho [Grifo meu]. Esse legado do regime militar consubstanciou-se na institucionalização da visão produtivista de educação. Esta resistiu às críticas de que foi alvo nos anos de 1980 e mantém-se como hegemônica, tendo orientado a elaboração da nova LDB, promulgada em 1996, e o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001.” (SAVIANI, 2008: 298)

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O CFE (Conselho Federal de Educação) continua a se eximir de ‘dispor’ da grade curricular geral, ficando apenas com um chamado núcleo comum de disciplinas obrigatórias, delegando e empoderando os Conselhos Estaduais de Educação dos Estados do Brasil (CEEs), governados pelos interventores e seguidores agraciados do regime: “A organização administrativa, didática e disciplinar de cada estabelecimento do ensino será regulada no respectivo regimento, a ser aprovado pelo órgão próprio do sistema, com observância de normas fixadas pelo respectivo conselho de educação.” (BRASIL, LEI Nº 5.692 DE 11 DE AGOSTO DE 1971, Cap. I, Art. 2º, Parágrafo único)

E após nova alteração na grade curricular em seu núcleo comum obrigatório (Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências (inclusive Matemática) e retirada do status de complementaridade, até então estabelecido pelo CFE (Conselho Federal de Educação), Filosofia (e Sociologia), são, enfim, excluídas. É claro que isto faz parte da formação educacional pela qual o Estado passou a investir, porém, já desgastada como disciplina não prática de mero acréscimo cultural e, até, dotada de certo caráter subversivo, a Filosofia perde toda sua justificação epistemológica como saber formador e transformador da realidade. Em seus lugares serão inseridas as disciplinas (que já haviam começado a ser introduzidas em 1969, fruto de um Decreto-Lei, o de nº 869, de 12 de setembro) Organização Social e Política Brasileira (OSPB) (como complementaridade aos Estudos Sociais) e a ressuscitada do Estado Novo, Educação Moral e Cívica (EMC) - esta obrigatória nos 1º e 2º graus, vista por muitos como bandeira ideológica do regime: “Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus.” (Cap. I, Art. 7º, LEI Nº 5.692 DE 11 DE AGOSTO DE 1971)


Bibliografia: CUNHA, Luiz A.; GÓES, Moacir de. O golpe na educação. RJ: Zahar, 2002.
SAVIANI, Dermeval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, Durmeval T. Filosofia da educação brasileira. 2ª Ed. RJ: Civilização Brasileira, 1985. (Coleção Educação e Transformação Volume 6) pp.9-47.
SAVIANI, Dermeval.  O legado nacional do regime militar. Cad. Cedes, Campinas, set./dez. 2008, vol. 28, n. 76, p. 291-312.

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