José Renato Nalini
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A Amazônia é um caso interessante de retrocesso civilizatório. O considerado “pulmão do planeta”, garantidor do regime de chuvas essencial à agricultura, a última grande floresta tropical do mundo, passou a ser alvo de criminosa devastação. A passividade da sociedade brasileira é de pasmar! Destrói-se o maior patrimônio brasileiro, extinguem-se fontes de riqueza que proviriam do aproveitamento da biodiversidade, da venda de créditos de carbono e de um milionário turismo ecológico, sob a inércia de um povo anestesiado. Que também não se comove com orçamento secreto, com “Fundões”, com o obscurantismo galopante.
Muito discurso, prática nenhuma. Dissertações, teses, ensaios, livros, filmes, documentários. Tudo com a Amazônia como protagonista principal. Mas o que continua a acontecer lá? Grilagem, exploração de minérios em áreas ambientais, permanência do genocídio que começou no século XVI com a chegada do colonizador, incêndios, assassinato de ambientalistas e de repórteres estrangeiros, tudo com a mais impressionante desfaçatez.
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Mas sempre existem os que se aproveitam do chamamento emocional amazônico para faturar. Por exemplo, empresas que prometem proteção ambiental e desenvolvimento com dinheiro arrecadado com a venda de tokens não fungíveis.
Os chamados NFTs chegaram e provocam corrida para enriquecimento dos que sabem se valer de novidades. Uma tecnologia que se utiliza do blockchain, é argumento para a criação desses tokens não fungíveis, pequenas figuras que retratam personagens típicos da região. Esses tokens contemplam espécies da fauna e flora, associando-as a coordenadas geográficas. A comercialização dos NFTs permitiria a aquisição das áreas correspondentes e uma parte se destinaria para implementar justiça social num ambiente sem lei.
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Ocorre que as áreas demarcadas pela empresa pioneira na venda dos tokens já estão desmatadas. Mais de quatrocentos hectares próximos ao rio Purus foram derrubados em 2021, de acordo com a insuspeita apuração do MapBiomas Alerta. Outros desmatamentos foram constatados e não aparecem nos mapas de que se serve a empresa para fazer o seu negócio. Ou seja: ela se utiliza de mapas antigos, anteriores à devastação que prossegue sob o beneplácito do governo.
As aventuras que exploram a riqueza amazônica não se restringem ao que se conhece: uso de motosserras ou de correntes puxadas por dois tratores, na destruição por atacado de uma cobertura verde que levou milhares de anos para se formar. Elas ocorrem também no mundo da esperteza, da invocação de uma pretensa tutela da região mais atacada do país, para lucrar. Ninguém sabe quantos NFTs foram vendidos. Nem se tem notícia da aplicação desses recursos, para se verificar a idoneidade de propósitos dos empresários que iniciaram esse comércio.
A Amazônia brasileira é solução para uma série de problemas crônicos desta nação que enfrenta crise seríssima de credibilidade internacional, agravada pelo surgimento do fantasma da fome e da miséria. É preciso seriedade no trato dessa questão. Há luminares que poderiam mudar o rumo desse desastre, mas é urgente que a sociedade acorde. A conscientizar-se de que governo é instrumento, é meio, é serviço a favor do povo. Quando o governo não se interessa por uma questão de tamanha dimensão, é hora da cidadania assumir as rédeas dessa política supraestatal. Dela depende o futuro da vida – de toda espécie de vida – neste sofrido e maltratado planeta.
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*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.
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