Foto: IEA/USP
O Brasil desmemoriado não prestigia seus melhores. Milton Vargas (1914-2011) é um desses vultos que a opacidade do esquecimento vai relegando ao oblívio. Foi filósofo, engenheiro e pensador. É considerado um “Pai da filosofia tecnológica” e desenvolveu estudos pioneiros sobre argila, além de divulgar o solo tropical em todo o mundo.
Integrou a Academia Paulista de Letras, cujas reuniões das quintas-feiras prestigiava com assídua solicitude e discrição. Foi condecorado com a Ordem do Mérito Científico e integrou o Instituto Brasileiro de Filosofia.
Encontro dele, o artigo “Sobre dialética das consciências”, inserto na Revista Brasileira de Filosofia n. 174, de abril a junho de 1994, no qual ele resenha o livro de Vicente Ferreira da Silva Filho, outro filósofo esquecido, obra publicada em São Paulo em 1950. Fora a tese apresentada ao concurso de cátedra da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e aprovada com distinção e louvor.
Aborda o ambiente intelectual bandeirante da época, invadido pelo existencialismo francês de após-guerra. Os paulistas estudiosos extasiavam-se com Jean-Paul Sartre, Gabriel Marcel, Martin Heidegger e Karl Jaspers. Por sua familiaridade na tradição filosófica alemã, principalmente no romantismo, Vicente Ferreira da Silva procedeu a profunda análise do tema existencial da intersubjetividade.
O problema do outro não pode se resumir ao momento abstrato do “cogito”, mas deve-se constatar que a existência do outro torna possível o reconhecimento da própria existência.
Como faz falta uma reflexão a respeito do mistério do fenômeno do encontro entre as pessoas? Seres de distinta origem e concepção de vida, de repente se identificam e viram siameses!
Esse é o segredo da sobrevivência da espécie: interessar-se por coisas materiais é o nosso lado animal. Interessar-se pelo semelhante é a forma possível de cada criatura tornar-se realmente humana. Pois “o impulso de dominação reduz o outro a instrumento de seus desejos – negação da própria realidade que pretendia completar”.
Reconhecer-se no outro é um jogo lúdico, onde há muito de festa e de instinto vital, tudo aquilo que nos faz viver de forma intensa e completa.
Tudo isso me vem à mente ao encontrar o texto de Milton Vargas, de quem tenho muitas saudades, pois convivi com ele na APL de 2003 a 2011.
*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Secretário-Geral da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS.