José Renato Nalini
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O sistema Justiça brasileiro se sofisticou, cresceu e não ganhou proporcional respeito ou credibilidade. Ainda não se fez a profunda reforma estrutural que ele merece. Afinal, a sociedade acostumou-se com o ritmo dos demais serviços públicos e não aceita que no Judiciário haja quatro instâncias, total imprevisibilidade quanto à duração de um processo e não tenha eliminado um sistema recursal caótico. Sim, caótico, pois permite que o mesmo tema seja reapreciado dezenas de vezes, com idas e voltas desconcertantes para o jurisdicionado.
A inadequação do equipamento às necessidades contemporâneas deriva de uma cultura jurídica superada. O modelo coimbrão, que Pedro I importou para a criação das duas primeiras escolas de direito em 1827, era calcado em Bolonha e vinha praticamente preservado desde o ano 1088.
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Desde então, o que ocorreu neste Brasil? A explosão numérica das Faculdades de Direito. Esta República possui, sozinha, mais Faculdades de Direito do que a soma de todas as outras existentes no restante do planeta.
A cada semestre, milhares de jovens são arremessados ao mercado e parte considerável deles não consegue sequer passar pelo Exame da OAB. Nem sempre por total desconhecimento da ciência jurídica, mas porque provém de um ensino fundamental deficitário. A dificuldade está na leitura e na escrita, no manuseio do vernáculo, na capacidade de se exprimir, na concatenação do pensamento e na elaboração de peças corretas e legíveis.
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É desse universo que as carreiras jurídicas recrutam os quadros para prover o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria, as Procuradorias, a Polícia, as delegações dos serviços extrajudiciais. A tais certames concorrem dezenas de milhares de bacharéis. Os que não logram aprovação, entregam-se à advocacia, ou a outras atividades não diretamente vinculadas à formação jurídica.
Enquanto não se mudar a estrutura dos cursos jurídicos e a sistemática de recrutamento dos profissionais das carreiras estatais, nada mudará no panorama da Justiça.
Todavia, algumas medidas singelas e plenamente viáveis dariam outro estágio reputacional à Justiça. A começar pelo Supremo Tribunal Federal. O ápice da pirâmide judiciária brasileira deveria declinar de atribuições que refogem à sua inspiração e se converter naquilo que interessa à nacionalidade: ser uma Corte Constitucional.
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Não faz sentido que o STF se resigne a ser segunda instância dos Juizados Especiais, ou trate de assuntos que melhor estariam na competência das instâncias inferiores.
Em seguida, o STF deveria assumir a sua condição colegiada e deixar de representar, para a nação, aquele “arquipélago formado por onze ilhas”. Autônomas e, não raro, insuscetíveis de diálogo institucional. Santa inveja da Suprema Corte do Japão. Reúne-se a portas fechadas, as decisões são do Tribunal, não existe voto vencido.
Por sinal, quem é que, no Brasil, conhece algum integrante da Suprema Corte Japonesa? Eles não dão entrevista, não fazem lives, não estão na TV, nas redes sociais, nem frequentam festas nas quais estejam presentes jurisdicionados. Principalmente os que representam grandes grupos financeiros, aqueles que têm interesses vultosos na jurisdição da Corte máxima de Justiça.
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Nessa linha, a TV Justiça é mais desserviço do que benefício à credibilidade do STF. O efeito das sessões televisionadas é fazer com que o voto suficiente de “acompanho o relator” se transforme em prolongadas perorações para mostrar uma erudição desnecessária. O notável saber jurídico já permitiu que os ministros adentrassem à Suprema Instância. O argumento da transparência enfraquece diante da queda de produtividade gerada pela atual sistemática.
Outra questão que não precisa de reforma constitucional, é cumprir os prazos para a devolução dos pedidos de vista. A cada retirada de pauta para análise de eventual repercussão geral, a paralisação de dezenas de milhares de processos nos tribunais inferiores aumenta a falta de credibilidade no Judiciário.
Por sinal, que também aumentaria respeito e prestígio do STF seria alguma limitação às constantes viagens para o exterior, sem que o jurisdicionado tenha noção de qual a vantagem para o andamento dos trabalhos a ausência de ministros do local de trabalho. É certo que há dezenas de juízes de primeiro grau elaborando os votos. Mas enquanto existirem processos retirados de pauta, pedidos de vista e análise de repercussão geral à espera, talvez não convenha a manutenção desse intenso deambular intercontinental, ainda que haja a justificativa do relacionamento com outras realidades. Louva-se a postura de quem não adere à tática de automático atendimento a qualquer convite e preserva aquela irrepreensível neutralidade, tão necessária à comprovação de que o Código de Ética, embora não obrigatório, é também observado pelos olímpicos intérpretes da Constituição.
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São medidas singelas, mas que adicionariam legitimidade à atuação de quem foi investido dessa missão quase divina: dizer o direito que vale para os brasileiros famélicos, mas principalmente sedentos de justiça.
* José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.
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