José Renato Nalini

Bondade catastrófica

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O Brasil não leva a sério questões recorrentes, como a ocupação de áreas inviáveis pela população de baixa renda. Uma política rasteira, eleiçoeira e imediatista, em lugar de coibir as invasões de encostas, de margens de rios e de represas, costuma anistiar os que se amontoam nesses espaços perigosos.

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A teoria do “fato consumado” é o que prevalece na prática. “Já que está”, que fique. Ocupações clandestinas, quase sempre criminosas, pois alguém estimulou que os desprovidos de moradia erguessem suas casas nesses territórios perigosos, se consolidam. A política da “bondade” é considerada a solução. Leva-se energia elétrica, às vezes – quando possível – uma coleta de lixo. E esse arremedo de loteamento vai crescendo.

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As chuvas torrenciais no verão sempre ocorreram. Só que o aquecimento global, derivado do desmatamento, faz com que elas provoquem tragédias. Seriam evitáveis, houvesse política séria de uso do solo. Essas mortes resultam dessa “bondade” do Estado. Principalmente o município, que é o maior responsável pelo planejamento da urbanização.

Pródigo em estatuir direitos – tudo no Brasil é direito fundamental – o Brasil age em detrimento do que é mais precioso: a vida. Nem se pode afirmar que, tecnicamente, a vida seja um direito. É condição necessária, pressuposto à fruição de qualquer direito.

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Quantas vidas estariam poupadas, houvesse coragem para inibir essa insensata construção em lugares impróprios! Quem é que vai resgatar a história e chegar à autoridade que legitimou essa situação de perigo iminente, que acabou se transformando em tragédia perfeitamente evitável?

O pior é que a memória coletiva é deficiente. Passada a temporada das chuvas, tudo volta à primitiva condição. Refazem-se os barracos, ou as construções de alvenarias, as lajes vão surgindo e mais pessoas se colocam na condição de potenciais vítimas das próximas ocorrências pluviométricas. E estas virão, cada vez mais fortes, cada vez mais cruéis.

É o atestado de que a aparente “bondade” do governo se converte em catástrofe. Como estamos no Brasil, não há culpados.

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*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.

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