José Renato Nalini

Antonio Cândido, a unanimidade

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Conheci muito pouco Antonio Cândido, mas em situações privilegiadas. Ele era amigo de Lygia Fagundes Telles e eles se encontravam com frequência. Tive a oportunidade de ouvi-los, de haurir do conhecimento de ambos, muito singelos em conversações que versavam sobre um pouco de tudo.
 
Lygia gostaria de que Antonio Cândido estivesse ao lado dela nas duas Academias que integrou: a Brasileira e a Paulista. Ele nunca se interessou. Com ousadia, cheguei a convidá-lo a ingressar na nossa Academia Paulista de Letras. Não teria de viajar ao Rio. Teria a companhia de Lygia, de Miguel Reale, de José Mindlin, de alguns bons amigos dele. Não consegui convencê-lo. O argumento era a sua postura de pensador livre, sem sujeição a rituais e cânones que não faziam parte de sua autonomia intelectual.
 
Por encantar-me aquela figura aparentemente frágil, mas de uma serenidade que impunha respeito e veneração, fui ler suas obras. Comecei por “Tese e antítese”. Depois “Formação da Literatura Brasileira” e “Os Parceiros do Rio Bonito”. 
Fico animado a assistir “Antonio Candido, Anotações Finais”, filme de seu genro, Eduardo Escorel, marido de Ana Luísa, com quem tive o prazer de debater num dos encontros literários que a AASP costumava fazer e que já não acontecem mais.
 
Principalmente em virtude da frase inicial de um dos Cadernos que Antonio Candido preencheu durante décadas e que suscitou no genro o roteiro a seguir. O texto é eloquente e provoca uma reflexão que deveria ser objeto de nosso empenho, como criaturas finitas e a caminho da despedida desta experiência terrena: “Morto, fechado no caixão, espero a vez de ser cremado. O mundo não existe mais para mim, mas continua sem mim. O temo não se altera por causa da minha morte, as pessoas continuam a trabalhar e a passear, os amigos misturam alguma tristeza com as preocupações da hora e se lembram de mim apenas por intervalos”.
 
Será que já nos detivemos a pensar que o mundo existiu muito antes de nós chegarmos nele e que, se não for destruído antes, continuará o seu percurso, independentemente de nossa partida? Somos um nada, à procura de ser alguma coisa, se soubermos cumprir nossa missão. Antonio Cândido cumpriu a dele. Por isso é que ainda habita o espaço afetivo de nossa consciência, onde nem sempre os mortos têm assento.

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