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Era uma vez 'The Boys', uma série estragada pela lacração e a preguiça

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ESTE ARTIGO CONTÉM SPOILERS DA QUARTA TEMPORADA DA SÉRIE "THE BOYS"

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Lançada em 2019, a série "The Boys" pegou uma carona no lado mais dark e satírico das produções de super-heróis, que faziam um grande sucesso na época. Durante a entrevista coletiva que participei com o elenco em 2022, o ator Jack Quaid (intérprete do personagem Hughie) recordou que no começo foi estranho e inusitado se deparar com a imagem dele estar na mesma popularidade que um personagem de "Vingadores Ultimato", por exemplo (já que faziam poucos meses que este havia sido lançado).

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Para termos uma noção do alcance, o sucesso era tão grande, que até aquele ano a atração se tornou a maior série na história do Prime Video, com 10.6 bilhões de minutos assistidos, segundo dados da Nielsen. 

A cada capítulo lançado, memes e discussões sobre eles enchiam as redes sociais, mas era unânime a crítica pela falta do reconhecimento em premiações, principalmente o Emmy, para o ator Antony Starr que interpreta o vilão Capitão Pátria (que é considerado um dos maiores na cultura pop atualmente).

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Inspirada nas histórias em quadrinhos de Garth Ennis e Darick Robertson, em resumo a história gira em torno de um grupo de pessoas comuns que se batizam como "The Boys", liderados por Billy Bruto (Karl Urban), que pretendem se vingar dos membros de uma grande equipe de super-heróis corruptos rotulada como "Os Sete", que são comandados pela perigosa empresa Vought.

Nesta quarta temporada era certo que a temática teria um viés mais político por conta do polêmico desfecho do terceiro ano. Porém, parece que o próprio showrunner Eric Kripke pensou "como temos uma eleição rolando nos EUA, seria uma ótima época para colocarmos em prática situações que podem fazer sucesso com a política atual, e isso será replicado nas redes sociais para talvez interferir no resultado". Sem nitidamente embasamento nenhum, a atração começou a descarrilar mais que as últimas atrações da Marvel Studios.

Essa situação, inusitadamente, me recorda de um episódio dos Simpsons, onde a própria Marge Simpson lidera um grupo de ativistas contra a animação "Comichão e Coçadinha". A ação faz com que os responsáveis mudem drasticamente tudo que havia de divertido nele, apenas para alegrar uma pequena parcela que não estava se "sentindo confortável". Obviamente, isso não funcionou a longo prazo e o mesmo acontece agora com "The Boys".

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Assim como Marge, Kripke esqueceu um fato simples: muitas coisas que foram mostradas anteriormente, tinham um pretexto e faziam sentido (por mais que fossem bizarras). Para conceber estes oito últimos episódios, parece que ele chamou pessoas que sequer leram o material original ou estudaram o perfil dos personagens, para escreverem o roteiro.

A começar que durante toda a temporada temos um jogo de emoções, pelas quais os melhores arcos ficam apenas quando o próprio Capitão Pátria está em cena. Por conta do carisma de Antony Starr, não sabemos se ele está brincando ou cometendo algum ato psicótico como foi no quarto episódio (de longe, seu melhor momento) e no assassinato brutal do seu próprio gado eleitoral. Infelizmente, não adianta termos um ótimo vilão se os heróis estão perdidos.

Vamos por partes, pois mais de um personagem foi estragado (ou desconstruído) nesta temporada. A começar pelo arco de Hughie e Luz Estrela (Erin Moriarty), que a princípio estavam esbanjando uma ótima química, e torcíamos para eles ficarem juntos. Porém, quando a atração entra na vertente  dela ter cometido um aborto dele, a reação e diálogos do casal não pareciam normais e até mesmo dignas da realidade. Para piorar a situação, a própria narrativa simplesmente deixa o assunto de lado e quando ele reaparece é jogado como algo "extremista". 

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Vale lembrar que a própria atração já explorou temáticas pesadas com a própria personagem (como abuso sexual) e isso foi abordado durante boa parte da atração, até comprarmos seu desejo de justiça. Nesta situação, simplesmente usaram este pretexto de forma barata e não sentimos absolutamente nada por eles. Felizmente não podemos dizer o mesmo da personagem Espoleta (Valorie Curry), nova integrante dos Sete, que foi responsável por ter "vazado" a informação na trama.  

Mesmo com uma ótima e divertida participação, que satiriza (com toques de realidade) os famosos interlocutores do "tiozões do zap" (que acreditam em qualquer informação que é enviada), ela foi um dos únicos grandes acertos deste quarto ano. Quando a temporada começa a entrar no seu clímax, parece que a bateria do celular do seu telefone começou a ser descarregada.

Um dos grandes antagonistas da série e responsáveis pelo desejo de vingança de Hughie (afinal, a atração abre com ele "acidentalmente" matando a então namorada dele), o super Trem-Bala (Jessie T. Usher) é totalmente desconstruído para virar uma espécie de antagonista em busca de sua redenção. Houve um tratamento em ambas as partes, desde as outras temporadas? Não! Ao invés de vermos um grande embate entre eles (como há nos quadrinhos) ele é transformado em uma vítima em meio a um sistema comandado pelo próprio Capitão Pátria. 

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Isso porque ainda não entrei na vertente do próprio Billy Bruto, que literalmente está parecendo que foi para o Clube da Luta com seu alter-ego Joe Kessler (Jeffrey Dean Morgan), e só surge no desfecho para fazer algo de "útil". Mesmo depois de várias oportunidades que o próprio roteiro coloca para Bruto e o Capitão Pátria para se enfrentarem e acabarem logo com a série (que ainda terá mais uma temporada), parece que eles estavam interessados em enrolar por conta da boa vontade da atração.

No meio deste caos (que não foi feito pela própria Vought) o roteiro parece ter sido tirado de conversas de páginas ativistas em redes sociais, pois os diálogos e comportamentos de vários personagens e até mesmo algumas situações, sequer funcionam dentro do contexto da proposta do enredo.

A questão não é se o roteiro e temática da atração beire para determinado eixo político, mas sim como ele foi feito de forma porca, apenas com o intuito de viralizar nas redes sociais mais facilmente com o objetivo de falar "olha como é parecido com a realidade". Só que também, toda moeda possui dois lados e Kripke sabe muito bem disso. 

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Isso sem contar alguns momentos de escatologia e piadas de cunho sexual, pelos quais não acrescentam em nada na trama e sequer possuem a necessidade de terem sido feitas. 

Um mero exemplo é no episódio onde os The Boys se infiltram em uma festa política do Capitão Pátria, com o intuito de obter algumas informações "necessárias". Hughie se veste como o herói Tece-Teia (uma clara sátira ao Homem-Aranha) e do nada acaba em uma atividade aleatória de Bondage (e as piadas envolta são vergonhosas).

Como uma última tentativa de trazer um suspiro para encerrar a atração com maestria, "The Boys" já deixou claro que irá depender (pelo menos em grande parte) da participação do verdadeiro salvador da pátria: Soldier Boy.

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