Engenharia do Cinema
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Como uma obra pode se tornar cult com o tempo? São diversos fatores que levam um filme a alcançar este feito, principalmente os arcos memoráveis. No caso de "Interestelar", há um em específico que emociona qualquer espectador de forma atemporal.
Esta mostra o astronauta Cooper (Matthew McConaughey) assistindo uma gravação de seu filho, então adolescente, Tom (Timothée Chalamet), se transformando em um adulto (Casey Affleck) e contando os principais momentos de sua vida. Tudo em questão de minutos. Ao se emocionar e ver que perdeu tudo isso, surge sua filha Murph (Jessica Chastain) com a fala "queria que você estivesse aqui".
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Sob a trilha sonora de Hans Zimmer, a emoção começava a tomar conta em uma das sessões de comemoração aos 10 anos do longa. Parecia que todos estavam em 2014, período onde originalmente o filme estava chegando aos cinemas.
Só que muitos não se recordam que a produção não alcançou o sucesso que merecia na época. Com um orçamento de US$ 160 milhões, fez apenas US$ 200 milhões nos EUA e US$ 741 milhões mundialmente.
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Ofuscado por títulos daquele período como "Debi e Lóide 2" e "Jogos Vorazes: A Esperança", muitos sequer tinham ligado para a produção do diretor Sir Christopher Nolan, que teve o circuito reduzido à medida que aqueles estreavam nas semanas posteriores.
Os meses foram se passando. "Interestelar" conseguiu ganhar o merecido Oscar de efeitos visuais, mas não foi reconhecido nas categorias de mixagem e edição de som, trilha sonora e design de produção. Mesmo com a regra para 10 indicados a melhor filme valendo, ele sequer chegou a ingressar entre eles.
Quase um ano depois de seu lançamento, o longa "Perdido em Marte" trazia Matt Damon como um astronauta esquecido sozinho em um planeta. Coincidentemente, o ator também interpretou um personagem similar em "Interestelar" e, com o sucesso da produção de Ridley Scott, muitos passaram a conhecer a obra de Nolan por conta da inusitada familiaridade.
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Através de constantes reprises na televisão, mídia física e plataformas de streaming se tornaram cruciais para a produção finalmente ser reconhecida da forma que deveria. Com isso, uma legião grande de fãs foi nascendo e, alguns deles sempre demonstravam desejo de ver a obra nas telonas.
Neste cenário e com a ausência de novos filmes durante a pós-pandemia, começaram a acontecer exibições homeopáticas em salas IMAX em vários mercados, inclusive no Brasil.
Graças ao resultado positivo, a Warner Bros resolveu trazer ele novamente para os cinemas nacionais, mas não só no formato citado como nas salas tradicionais.
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Com sessões lotadas, muitos espectadores também estavam assistindo ao título pela primeira vez na vida. E era perceptível essa situação por conta das fortes emoções naturais que muitos demonstravam em momentos como na cena citada no primeiro parágrafo, traição do astronauta Mann (Damon) e o reencontro de Cooper com sua filha já idosa (Ellen Burstyn).
Ao ver o nome de Sir Christopher Nolan estampado no princípio dos créditos finais, a sensação era de que realmente o Oscar fez certo em finalmente lhe dar o devido reconhecimento com "Oppenheimer".
Isso sem mencionar que a experiência de rever "Interestelar" nas telonas, sempre será única e mágica, pela qual remete a nossa primeira visita.
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O longa nasceu nas mãos de Steven Spielberg, com Jonathan Nolan assinando o roteiro. Como o primeiro estava ocupado em outros projetos, declinou a direção durante os anos 2000. A função acabou indo para o próprio Sir Christopher (irmão do segundo), onde começaram a trabalhar em uma nova roupagem no roteiro.
Com constantes conselhos técnicos do próprio físico Kip Thorne, e fortes inspirações em "2001: A Space Odyssey", nascia "Interestelar".
Mesmo sendo o primeiro grande projeto do cineasta após o final da trilogia de "O Cavaleiro das Trevas", muito se pensava sobre como ele iria abordar a produção em seu estilo.
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A história apresenta o planeta Terra em pleno cenário pré-apocalipse, onde a seca começou a reduzir cada vez mais os recursos naturais. Neste cenário, o astronauta Cooper e sua filha Murph (Mackenzie Foy) se deparam com uma base secreta da NASA, que convence o primeiro a realizar uma viagem espacial e atravessar um buraco de minhoca para encontrar algum planeta habitável aos seres humanos.
Nolan sabe que é um tema bastante complexo, ainda mais em uma época onde a popularização do debate político e a própria pandemia ainda não haviam acontecido.
Por isso, chega a ser engraçado ver o quão a frente ele estava só pela cena da interação de Cooper com a professora de Murph (Collette Wolfe) e o diretor da escola (David Oyelowo), que "vendem" os alunos que o homem não pisou na lua e que tudo isso era um plano dos EUA para "vencerem" a União Soviética.
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Mesmo com este debate sendo inserido logo no prólogo, quando a trama é levada ao arco principal, eis que conseguimos perceber o talento de Nolan e sua equipe.
Optando por efeitos especiais práticos, o cineasta não apenas construiu os equipamentos das naves, como cultivou um milharal com mais 500 mil hectares (em comparação, a maior fazenda do Brasil possui 150 mil). Além de ter levado o elenco e equipe para rodar uma sequência na geleira Svinafellsjokull, para representar um planeta gelado.
Assim como no clássico de Kubrick, o som no espaço também não se propaga no vácuo aqui. Por isso, em determinadas cenas entra a trilha de Hans Zimmer para suprir.
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Há duas tramas paralelas acontecendo, e em momento algum a montagem de Lee Smith ("1917") deixa suprir o tédio ou interrompe a emoção de alguns momentos.
Um exemplo é quando a versão Murph adulta tenta tirar o sobrinho e cunhada de casa provocando um incêndio na plantação, ao mesmo tempo que Cooper e Brand (Hathaway), tentam impedir Mann de deixá-los para trás. Além da cereja do bolo desta cena ser a melodia de Zimmer "No Time for Caution", cujas notas refletem os sentimentos da sequência como um todo. Lembrando que umas destas aconteciam no vácuo.
Isso sem mencionar os excelentes trabalhos de atuação de todos os atores, principalmente de Damon. Roubando a cena, mesmo que brevemente, ele demonstra que consegue interpretar melhor vilões do que mocinhos.
Mesmo que responsável por roubar a cena em todo primeiro ato, a atriz Mackenzie Foy não conseguiu decolar na carreira nos anos posteriores. Uma pena, pois ela tem potencial para pegar excelentes personagens dramáticos.
Ao contrário de Timothée Chalamet, que não só estava começando sua carreira e mesmo com este sendo seu personagem mais "fraco", ele ainda considera o melhor filme que ele já fez.
"Interestelar" sempre será um dos maiores clássicos do cinema e dificilmente será superado nos próximos anos.
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