Jair Bolsonaro, em evento militar de 2019 / MARCOS CORRÊA/PR
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Quando o general Joaquim Silva e Luna assumir a presidência da Petrobras, o número de militares na cúpula das maiores estatais com participação da União consolidará uma marca história. Serão 92 cargos de comando ocupados por representantes das Forças Armadas, inclusive no conselho de administração.
Como Luna deve levar auxiliares militares, o número será maior, aproximando o efetivo da marca de uma centena.
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Nesses pouco mais de dois anos, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) multiplicou por dez o número de militares na alta gestão de boa parte das estatais. Em 2018, quando Michel Temer encerrou sua gestão, eram nove cargos de comando com militares.
Os dados consideram a estrutura no topo das 19 estatais vinculadas à União, incluindo as com maior peso, Petrobras e Eletrobras. O levantamento foi obtido pela reportagem por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). A apuração foi reforçada por coletas complementares nos sites dessas empresas ou repassadas por suas assessorias de imprensa.
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Na lista também estão estatais como Correios, Serpro, Infraero e Casa da Moeda.
Josué Pellegrini, diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, tem estudos sobre o tamanho do Estado na economia e a situação financeira de empresas públicas. Ele afirma que é preciso entender a estrutura das estatais brasileiras para dimensionar o tamanho do poder de influência de um comando.
"Conselheiros e presidentes dão diretrizes para as empresas e diretores executam", explica. "Quando se trata de uma estatal, o comando faz diferença para determinar os rumos não apenas daquela empresa, mas também de suas subsidiárias, que podem ser muitas, a depender da companhia", afirma.
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O boletim mais recente do Ministério da Economia que contabiliza o número de estatais ligadas à União é do primeiro trimestre de 2020. Naquele momento, havia 197 estatais federais. Ocorre que 46 estavam sob controle direto da União. As demais 151 eram subsidiárias de apenas 5 daquelas 46: Eletrobras (69 subsidiárias), Petrobras (49), Banco do Brasil (26), Caixa Econômica Federal (5) e BNDES (2).
Sendo assim, quando Luna assumir a Petrobras, a influência dos militares vai se expandir por 50 estatais, considerando a própria Petrobras e as demais subsidiárias.
Considerando que os militares também estão na Eletrobras, o poder de fogo vai abarcar 120 estatais –61% de todas as empresas ligadas direta ou indiretamente à União.
No mês passado, um levantamento do jornal Folha de S.Paulo mostrou que, das 46 estatais controladas diretamente pela União, 15 são presididas por militares no governo de Jair Bolsonaro. O general Joaquim Silva e Luna será o 16º.
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Essas chefias têm efeito multiplicador sobre o efetivo egresso da farda. Luna, por exemplo, atualmente é diretor-geral da Itaipu Binacional. Em seus dois anos à frente da empresa, ele escalou militares para cargos de confiança. Hoje tem 20 em sua equipe; entre eles, 4 dos 6 diretores de Itaipu.
Segundo especialistas, essa militarização no Estado brasileiro é atípica. Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA) e professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco, Jorge Zaverucha afirma desconhecer outra democracia no mundo que tenha essa quantidade de militar no aparato do Estado.
O professor afirma que, historicamente, a redemocratização é acompanhada da desmilitarização da política. Mas, no Brasil, está ocorrendo uma inversão da lógica. "Os civis estão entregando poder para os militares", diz. "Colocar é fácil, mas há um preço para tirar."
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Como deputado, Bolsonaro sempre foi admirador e defensor das Forças Armadas e da Polícia Militar. Já chamou de herói o coronel Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi, área de repressão durante a ditadura militar. Depois de subir a rampa do Palácio do Planalto, manteve o perfil. Empossou militares em ministérios. Prestigia até festa de formatura de cadetes.
No entanto, o avanço dos militares nas estatais, em especial as da área econômica, surpreende até civis mais próximos do poder.
Aos integrantes de sua equipe, Bolsonaro apresenta algumas justificativas para a militarização da estrutura pública. Segundo ele, o uso da farda forja gestores focados, organizados e tecnicamente competentes. Um dos argumentos mais recorrentes é que os militares são soldados contra a corrupção, capazes de extirpar esse mal crônico da estrutura do Estado.
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Esse espírito, por exemplo, levou à posse, partir de 2019, já no primeiro ano do governo Bolsonaro, de 14 militares na Valec, incluindo na cadeira da presidência. Criada com a meta de cuidar da expansão da malha ferroviária, a Valec foi alvo de várias denúncias de corrupção.
Detalhe: a empresa é subordinada ao Ministério da Infraestrutura, comandado pelo capitão da reserva Tarcísio Gomes de Freitas.
Ainda segundo os dados fornecidos pelo próprio governo, nove militares integram os conselhos da Eletrobras, estatal ligada ao Ministério de Minas e Energia, que tem como titular da pasta o almirante de esquadra Bento de Albuquerque Junior.
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Duas empresas do sistema Eletrobras também são presididas por militares. Foram muitas as investigações, em governos passados, de ilícitos na estatal que detém o maior parque gerador de energia elétrica do país.
Os militares ocupam também a presidência e três diretorias do Correios, oficialmente chamado de ECT (Empresa de Correios e Telégrafos). Vinculada ao Ministério das Comunicações, a estatal foi epicentro do escândalo de pagamentos de propinas que levou a uma CPI e culminou com as investigações do mensalão.
Também estão sob a gestão de militares a menos conhecida Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). Vinculada ao Ministério da Educação, ela contribui com hospitais universitários federais e ganhou mais peso com a pandemia.
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Militares da reserva ocupam os cargos de presidente e vice-presidente desde 2019. Um militar da reserva faz parte do conselho de administração.
Um dos poucos casos de desmilitarização é o da Telebras, a estatal que já controlou o sistema de telefonia e que foi desintegrada com a privatização há duas décadas.
Resgatada no governo PT, não tinha muita serventia, mas recentemente foi envolvida no lançamento do satélite 100% nacional e vem atraindo a atenção dos militares.
Em 2019, a empresa chegou a contar com seis militares em sua diretoria, incluindo o presidente. Atualmente, eles estão em três diretorias da empresa.
O historiador Carlos Fico não identifica benefícios na militarização de empresas. Chama a atenção para a falta de expertise de militares em funções específicas da vida empresarial. Também em sua avaliação, militares têm inapetência para debates, por exemplo, comuns em órgãos colegiados, o que fragiliza a gestão.
Professor de história da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista em temas militares, Fico afirma ver risco não apenas no que chama de promiscuidade das Forças Armadas com o governo, mas também na incapacidade de essa associação ser bem-sucedida.
Zaverucha e Fico citam o papel do ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, no enfrentamento à pandemia para demonstrar que militarização não é sinônimo de eficiência. Especialistas em saúde apontam várias falhas em sua gestão – entre as mais graves estão a falta de oxigênio em Manaus e o atraso na compra e aplicação de vacinas contra a Covid-19.
Vários outros levantamentos mostram o avanço de militares em outros escalões da atividade pública federal.
Em levantamento de julho de 2020, o TCU (Tribunal de Contas da União) apontou que existiam, até aquele momento, 6.157 militares exercendo funções civis na administração pública federal. Em 2016, eram 2.957. Ou seja, o número mais que dobrou nesses quatro anos.
O levantamento do TCU também mostrou que cresceu 34,5% a presença de militares em cargos comissionados. Eram 1.950 em 2016, subindo para 2.643 no ano passado.
Já em cargos ligados à saúde, a presença de militares aumentou 94,55% no mesmo período. Outra alta significativa foi na contratação de temporários, que não existiam antes e passaram a ser 1.969 em 2020.
Em 2020, outra reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que a presença de militares da ativa do Exército, Marinha e Aeronáutica em cargos comissionados de órgãos do governo cresceu 33% em um ano e meio de gestão Bolsonaro. Na época, eram 2.558 militares em ao menos 18 ministérios, entre eles Saúde, Economia, Família e Minas e Energia.
Além das empresas subordinadas a ministérios civis, os militares ocupam cargos de destaque nas estatais vinculadas ao Ministério da Defesa. São 32 cargos em três empresas: a Amazul (que tem entre suas funções a tutela do programa nuclear), a Emgeprom (que desenvolve projetos de engenharia para Marinha) e a Imbel (fabricante de, entre outros produtos, armas e munições).
Com eles, a soma de cargos ocupados por militares nas estatais da União sobe para 123.