Caio, da Marimex / Divulgação
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Um vereador de Santos desembarcou em Brasília com a missão de desatar um nó. Ou, pelo menos, tentar. No fundo, ele sabia que era como levar areia para praia. Em outras palavras: burocracia para Brasília.
No café da Esplanada, encontrou um gestor do governo para discutir o Porto de Santos. O gestor era um daqueles que falam em “agenda estratégica” e “desenvolvimento sustentável”, e citam sempre como referência os portos Singapura ou Roterdã, mas a caneta falha quando o negócio é em terra brasileira mesmo.
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Enquanto o gestor degustava calmamente seu chá verde, porque, segundo ele “acelera seu metabolismo”, o vereador toma um gole de seu café ralo e inicia a conversa.
— Seguinte, doutor… O senhor já viu a agenda econômica do governo?
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— Claro, vereador. Temos 25 prioridades muito bem definidas. Estratégicas.
— Pois é. E sabe o que não está lá? Os gargalos logísticos que estão estrangulando os portos brasileiros!
O gestor ajeitou os óculos e puxou um guardanapo.
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— Vereador, veja bem… O governo está comprometido com a modernização do país. Temos infraestrutura, transição ecológica, sustentabilidade…
— Mas e os portos?
— Bom, a infraestrutura portuária é fundamental, claro…
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— Mas não está na lista! – o vereador interrompeu, puxando um papel do bolso. – O senhor sabe que 95% do comércio exterior brasileiro passa pelos portos, certo?
— Sei, claro…
— Então o senhor sabe que da porteira para dentro, o Porto opera bem. O problema é da porteira para fora, porque a infraestrutura não dá conta do volume crescente de cargas, entende?
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O gestor ajeitou os óculos, mexeu no chá e recitou:
— O país precisa de uma abordagem holística, uma governança participativa, uma estratégia de integração das cadeias produtivas...
— Ah, pelo amor de Deus! – O vereador jogou o papel na mesa. – A gente está atolado numa burocracia que ninguém entende, os contratos são rígidos, a governança é caótica, tem interferência política em tudo, e vocês me vêm com "abordagem holística"?!
O gestor respirou fundo.
— Vereador, veja pelo lado positivo… A agenda econômica tem medidas sustentáveis, vai ter incentivo para emissão de títulos verdes…
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— Ótimo. E o senhor me garante que isso vai facilitar a vida do importador que espera por eficiência? Do armador que se perde na burocracia? Do exportador que precisa de um sistema mais moderno?
Silêncio.
— Precisamos sair do debate para ação, doutor...
— Bem… essas são questões que exigem um amplo debate com os stakeholders. As soluções precisam de um consenso. E consenso, vereador, leva tempo.
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— Então o senhor está me dizendo que quem sente na pele a defasagem terá que esperar um tempo indefinido para resolver o problema?
O gestor desviou o olhar novamente para o chá, como se buscasse uma resposta no fundo da xícara.
— O governo está ciente das demandas. Mas há outras prioridades…
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O vereador suspirou.
— Prioridades. Claro. Falar de sustentabilidade sem conhecer as prioridades e nuances de um setor inteiro é como reformar a casa e esquecer do alicerce. Está certo! Seguirei no meu papel e continuarei pressionando.
Só espero que, quando resolverem olhar para os portos, eles ainda estejam lá.
Ressentido pelo café aguado e pela conversa sem conclusão, o vereador pagou contrariado e despediu-se do gestor.
Na saída, pegou o celular e digitou a seguinte mensagem para seu assessor:
"Anota aí: propor sessão extraordinária com os colegas. Se o governo não quer colocar os portos na prioridade, a gente coloca o governo como a nossa."
Apesar do diálogo acima ser totalmente fictício, é verdade que as 25 medidas prioritárias da agenda econômica, divulgadas nos últimos dias pelo Ministério da Fazenda, não endereçam ações para os gargalos que afetam a logística para os portos.
Enquanto navios esperam para atracar, caminhões para descarregar e investidores pela segurança jurídica, com a volta de suas atividades, bem que nossos legisladores poderiam se atentar à agenda econômica nacional e como priorizar investimentos necessários para os portos. Vai que um deles lê essa crônica...