Cava subaquática integra o projeto de dragagem do canal de Piaçaguera e visa permitir o acesso de grandes navios aos terminais da VLI e também da Usiminas / Divulgação/VLI
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Dois pareceres obtidos pela Comissão Especial de Vereadores (CEV), que acompanha os trabalhos de dragagem e demais ações ou omissões que possam implicar em impacto ambiental à região, apontam irregularidades e riscos causados pelos trabalhos de dragagem envolvendo a empresa de logística VLI no canal de Piaçaguera, na Área Continental de Santos.
Os documentos serão apresentados e discutidos em uma audiência pública, que será realizada na quarta-feira (28), no Auditório Zeny de Sá Goulart, na Câmara Municipal de Santos.
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Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou com urgência que a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) suspenda a autorização para a VLI fazer uma dragagem de abertura de uma cava subaquática e dispor ali sedimentos contaminados.
O primeiro parecer técnico foi emitido pela empresa ECEL Ambiental e foi assinado pelos engenheiros Elio Lopes dos Santos e Emílio Grande Gago, o biólogo Fábio Giordano e o oceanógrafo Paulo F. Garreta Harkot.
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Em 25 páginas, os especialistas concluíram que os sedimentos a serem dragados e dispostos na cava apresentam nível elevado de contaminação por metais pesados e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, sendo que a maioria dos poluentes tóxicos, mutagênicos e carcinogênicos apresentam concentrações muito acima dos valores estabelecidos por resolução do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Segundo explica o laudo, o canal de Piaçaguera foi muito utilizado, por mais de 50 anos, por empresas do polo petroquímico de Cubatão para o despejo de material. Esses detritos estão sedimentados no fundo do canal, e com a cava subaquática poderiam se misturar a água e contaminar o ecossistema estuarino.
A implantação da cava, nos limites territoriais da Ilha das Cobras, também teria sido imposta em desrespeito à legislação, obtendo a licença de instalação sem levar em consideração qualquer tipo de estudo de área de influência, como também prevê resolução do CONAMA, inclusive com a ausência de Estudo de Impacto de Vizinhança. Além disso, duas licenças ambientais para instalações, emitidas pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), para a construção das cavas subaquáticas estão irregulares, tendo sida concedidas após o vencimento de prazo. Isso porque as tuas licenças foram expedidas com base na licença prévia 00870, de 2005, e que tinha o prazo de vencimento após cinco anos. Essas duas licenças foram obtidas em datas posteriores a 2010.
O parecer técnico indica que irão ocorrer impactos ambientais, não somente durante a operação de dragagem, mas também por ocasião do preenchimento da cava com sedimentos contaminados reconhecidos, na sua maioria, como poluentes, tóxicos e carcinogênicos. Com o preenchimento dessas cavas com técnicas de atenuação, irá ocorrer aeração desses sedimentos, o que poderá reduzir o pH da água. Isso iria liberar os matérias para a coluna d’água com dispersão e espalhamento desses contaminantes no ecossistema aquático, provocando uma poluição difusa em detrimento das áreas não contaminadas, além de prejuízos à flora e fauna aquática da região, que reúne um complexo manguezal.
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A ECEL Ambiental explica que a escolha da alternativa para a cava não levou em consideração o Zoneamento Ecológico Econômico Setor Costeiro da Baixada Santista. O local onde estão dispostos os sedimentos irá impedir a expansão portuária, pois não haverá qualquer possibilidade de expedição e licença de instalação envolvendo obras de estaqueamentos, necessárias à implantação de estruturas submersas de um píer sobre uma cava contendo detritos contaminados.
O documento também aponta que a cava ocupa um espaço onde ficava um banco de sedimento que abrigava importantes espécies de aves, o qual foi totalmente suprimido para servir de depósito de sedimentos contaminados. Ademais, o texto aponta que a cava na região estuarina será determinante para degradas e, eventualmente, eliminar serviços naturais assegurados pelos ecossistemas locais, causando significativas perdas ambientais e socioeconômicas.
Por fim, os especialistas indicam que a implantação da cava subaquática, além de abrir um precedente perigoso para que outras empresas venham dispor sedimentos contaminados no estuário de Santos, deixou de atender e considerar o aparato legal estadual, federal e internacional referente ao tema, voltado a conservação e usos sustentável dos ecossistemas estuarinos, de manguezal e áreas úmidas, imponto de imediato um passivo ambiental e riscos associados irreversíveis.
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Documento aponta que técnica utilizada é mais barata, porém de maior risco ao meio ambiente
O segundo parecer técnico, elaborado pela empresa Peritos Judiciais, realiza uma análise das condições de segurança ambiental e antrópica das ações de dragagem do canal de Piaçaguera. O documento também fez um estudo sobre alternativas não adotadas, visando reconhecer se estas seriam melhores ou piores que a escolhida pela empresa.
O parecer foi assinado pelos engenheiros David Zee e Ricardo José do Coutto, e pelo oceanógrafo Alexandre Barreto. O estudo concluiu que a proposta adotada para realizar a dragagem não é a mais segura e adequada para as condições existentes no estuário de Santos.
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Os especialistas disseram que “percebe-se que a opção adotada visa a redução dos custos de execução do projeto e com o objetivo de atender o acesso de grandes embarcações para a área do empreendedor” e que “os riscos apresentados confiram a insegurança da disposição de material tóxico em cava subaquática conforme proposto”.
De acordo com o texto, “qualquer atividade com esse potencial de impacto representa um elevado risco aos diversos compartimentos ambientais, assim como as demais atividades portuárias e sociais, em especial da pesca artesanal”.
Entre as alternativas de disposição dos sedimentos da dragagem, o parecer técnico comparou quatro tipos: em sítios secos, em alto mar, em cavas submersas ou semi-submersas e em geobags (colchões reservatórios que isolam os sedimentos dragados).
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A cava é a segunda opção mais barata em relação ao custo. Mas fica entre as piores em relação a capacidade, condições de isolamento ao meio exterior, necessidade de tratamento do sedimento, segurança de operação e confinamento do sedimento. O parecer coloca o sítio seco como a melhor situação para a dragagem no canal de Piaçaguera, que já é utilizado em algumas dragagens na região, seguido pelas geobags, que possuem um custo elevado. A disposição em sítios oceânicos ou em cavas são descritas como “as alternativas de menor custos, mas as que oferecem piores condições de controle ou monitoramento.
Também foram comparados cinco tipos de tratamento dado aos sedimentos: nenhum, confinamento (utilizado pela VLI), tratamento físico, tratamento químico e tratamento biológico. Novamente, a opção adotada pela empresa esteve entre as mais baratas, só atrás da opção de nenhum tratamento. O documento explica que “quanto mais esforço é aplicado em decorrência de cada tipo de tratamento tanto maior serão os resultados de segurança, conservação do meio ambiente e preservação da saúde pública. Portanto, a solução adotada do confinamento dos sedimentos dragados só consegue ser melhor que a alternativa de nenhum tratamento. Para as fragilidades do ambiente estuarino, o risco torna-se bastante preocupante”.
VLI defende método utilizado e Cetesb garante legalidade
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Questionada pela Reportagem sobre o que foi elencado nos pareceres, a empresa de logística VLI garantiu que o método utilizado é seguro.
“Esse método de dragagem é constituído pela construção de uma célula especial dentro do mar, ou seja, uma cava submersa, sendo reconhecido internacionalmente e utilizado com sucesso em países como Austrália, Estados Unidos, Espanha, Holanda, Noruega, Reino Unido e Hong Kong, além de Brasil, como no Rio de Janeiro e agora em Santos. Essa tecnologia é conhecida também como clean up, pois remove os sedimentos de pior qualidade ambiental do canal, confinando-os em área devidamente licenciada, isolada e monitorada, evitando risco de contaminação e dispersão. Ou seja, após o processo de dragagem, o canal de Piaçaguera contará com melhores níveis de qualidade ambiental”, disse a VLI, em nota.
A empresa também diz que “a escolha do local foi baseada nas áreas avaliadas no EIA/RIMA e em função dos estudos recentes de caracterização e modelagem realizados pela empresa e suas consultorias. A área foi aprovada pelo órgão ambiental como a mais adequada. Foram feitas ainda modelagens matemáticas em situações extremas e a área se mostrou segura até mesmo em casos de cenários de ventos e vazões de maré. Portanto, não existe a possibilidade de dispersão no estuário e praias da região”.
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Além disso, a VLI também reitera que “a abertura da cava subaquática recebeu licença ambiental de instalação 2439 de 05/07/2016, processo esse que já foi concluído. Para a dragagem de fato do Canal de Piaçaguera e disposição do material dragado na cava subaquática foi emitida a licença ambiental de operação 2385 de 05/06/2017. O processo, portanto, conta com todas as autorizações necessárias dos órgãos competentes, neste caso, CETESB, Capitania dos Portos e CODESP, além de análises e anuências da ANTAQ e SEP”.
A nota também destaca que o projeto trará vantagens para a região. “Do ponto de vista da navegação, dará mais segurança na entrada e saída dos navios. O projeto também melhorará a condição ambiental do canal, já que hoje sedimentos de pior qualidade estão depositados em alguns trechos do leito do canal. A dragagem vai retirar esses sedimentos e levá-los para uma área confinada, garantindo uma melhor qualidade ambiental”.
Por fim, a VLI citou os investimentos já realizados pela empresa na região e destacou que ainda estão previstos investimentos sociais de R$14 milhões nas cidades de Santos e Cubatão.
Já a Cetesb entende que o licenciamento do Projeto Dragagem do Canal de Piaçaguera seguiu os trâmites legais e atendeu aos critérios técnicos, com a análise do Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), conforme o Processo SMA 13.781/02, o qual foi aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente - Consema, em 03/08/2005.