O Brasil é um dos países que mais usa agrotóxicos no mundo. / Fernando Frazão/Agência Brasil
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O Brasil criou a lei que rege o uso e a comercialização dos agrotóxicos (7.802) em 1989. Com o tempo, sofreu diversas alterações até que em 2002 o senador Blairo Maggi, atual ministro da agricultura, criou um pacote para revogar a lei e flexibilizar o uso de agrotóxicos no país.
O Projeto de Lei 6299/02, nomeado ‘PL do Veneno’ pela sociedade civil para chamar a atenção dos riscos que ele oferece, encontra-se em fase final de análise na Comissão Especial Deliberativa da Câmara dos Deputados desde o início de maio deste ano. Se o pacote de medidas for aprovado, o Brasil, que anda na contramão do mundo por ser um dos países que mais usa agrotóxicos, usará ainda mais.
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As mudanças são consideradas polêmicas. Uma delas prevê a substituição do termo “agrotóxico” pela expressão “produto fitossanitário”. Além disso, o PL prevê, dentre outros pontos, que os agrotóxicos possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se órgãos reguladores, como Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tiverem concluído as análises dessas substancias.
Em maio, quando o PL iria ser votado novamente, o Ministério Público do Trabalho chegou a divulgar uma nota técnica, assinada pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, manifestando-se pela rejeição das alterações na lei.
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A nota, entre outras observações, informava que a proposta afronta tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil, em especial as Convenções nº155 e nº 170 da OIT, que dispõem, respectivamente, sobre a prevenção dos riscos, acidentes e danos à saúde que sejam consequência do trabalho e riscos ocasionados pela exposição a pesticidas, além de ir contra as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com o MPT, os agrotóxicos têm ampla disseminação em áreas rurais e urbanas e suas consequências atingem grupos populacionais de forma imprevisível e inevitável, seja através da aplicação direta nesses locais ou da contaminação de água, chuva e alimentos que chegam a locais muito distantes. Os grupos populacionais mais atingidos são os trabalhadores envolvidos na cadeia produtiva, tanto dos produtos destinados à alimentação quanto dos destinados ao controle de vetores urbanos.
“O volume aplicado na agricultura brasileira chega perto de 900 mil toneladas anuais (2015), dado que indica o elevado grau de exposição da população brasileira, sob diversas formas. O Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde aponta que entre 2008 e 2017 foram registrados cerca de 16 mil casos associados à exposição de trabalhadores. Observa-se que essas notificações, na sua quase totalidade, estão associadas a intoxicações agudas, não contabilizando as doenças crônicas, cientificamente associadas ao uso dos biocidas, e que têm maior impacto social e para a vida pessoal e familiar das vítimas, além dos altos custos para a saúde pública”, diz a nota.
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Para o MPT, esse cenário, por si só, já aponta uma situação ainda mais preocupante, considerando que a maior parte dos casos se encontra subnotificada. A subnotificação pode ser explicada por diversas razões, tais como: a dificuldade de diagnóstico das intoxicações, em especial as crônicas que possuem períodos de latência que podem chagar a décadas; o uso frequente de agrotóxicos distintos, ou combinados, que podem desencadear efeitos bastante diversos aos previstos no momento do registro e na bula; e a falta de informação sobre a toxicidade do produto, tanto nos serviços de saúde como para os trabalhadores e trabalhadoras, mesmo com a sinalização existente no rótulo (símbolo da caveira).
Por enquanto, a mobilização de diversos setores que lidam com saúde pública, famosos e campanhas em redes sociais vem causando um impacto positivo, já que até o momento, a aprovação das alterações na lei não aconteceu.
Para aprofundar os riscos da ‘PL do Veneno’, esta edição de Papo de Domingo traz uma entrevista com o agrônomo Maykon Canesin Clemente.
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DL - Qual a sua opinião sobre as alterações propostas no Projeto de Lei que visa flexibilizar o uso de agrotóxicos?
Maykon - Alterações absurdas. Retirar a ANVISA e IBAMA do processo de liberação dos agrotóxicos é simplesmente uma insanidade, um retrocesso que vem sendo observado nesse atual “governo”. A ANVISA é o órgão que dá segurança à saúde da sociedade e às pessoas mais vulneráveis, como crianças, gestantes e os trabalhadores rurais; por outro lado temos o IBAMA que assegura que esse princípio ativo (a substância que exerce o efeito no agrotóxico) não irá contaminar o solo, mananciais, oceanos. Outro ponto é sobre a mudança da denominação de agrotóxicos para “defensivo fitossanitário” e “produtos de controle ambiental”, tentando amenizar e mascarar a real natureza do produto. Pessoalmente eu mudaria o termo para veneno, pesticida, biocida.
DL - Qual a sua opinião sobre a lei atual que rege o uso de agrotóxicos? Ela precisa ser atualizada em algum sentido?
Maykon - A lei foi muito bem elaborada e consegue abordar de forma efetiva a liberação do registro de novas fórmulas de agrotóxicos, porém, ainda daria uma atenção maior para produtos já diluídos para uso em jardins domésticos. Eles também contêm agrotóxicos, mas por serem comercializados em embalagens menores e bem coloridas, são vendidos sem receituário agronômico e trazem riscos grandes para a população, já que as pessoas acabam aplicando sem equipamentos de proteção individual(EPI), atingindo outros locais através de deriva (spray que pode ser levado pelo vento).
DL - Há maneiras de controlar as pragas que atingem as plantações sem o uso de agrotóxicos?
Maykon - Os produtos orgânicos estão aí para nos provar que sim, é possível produzir sem agrotóxicos. Eles estão cada vez mais acessíveis e com muita qualidade.
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DL - Quais os riscos que o uso de agrotóxicos traz a saúde humana?
Maykon - A FIOCRUZ, em estudo de fevereiro a junho de 2010 no município de Lucas do Rio Verde (MT), constatou algum resíduo de agrotóxico em 100% das amostras de leite materno, e em 85% delas, mais que um tipo de agrotóxico. Segundo o INCA (Instituto Nacional do Câncer) temos intoxicações agudas, principalmente em trabalhadores rurais, que podem ser coceiras, irritação de peles e olhos, cólicas, diarreias, espasmos, convulsões e até a morte. Porém, as exposições aos resíduos presentes no ambiente ou alimento, são geralmente em baixa quantidade e por longos períodos por esse motivo fica difícil fazer uma correlação, mas estudos indicam que podem causar infertilidade, impotência, malformações, problemas hormonais, imunológicos e câncer.
DL - Os alimentos que consumimos no Brasil já recebem níveis elevados de agrotóxicos, segundo pesquisadores. Além de lavar bem os alimentos, existem “fórmulas caseiras” capazes de, pelo menos, reduzir a quantidade de agrotóxicos que ingerimos?
Maykon - SIM e NÃO. Vamos lá, se por um agrotóxico de contato, ou seja, que vá agir somente no alvo e de forma superficial é possível remover uma grande parte desse produto químico lavando muito bem os alimentos em água corrente. Porém, se for um produto sistêmico, que é carregado pelos valos condutores e difundido por todo o tecido, de nada adiantará lavar, pois o agrotóxico estará dentro do alimento. Lembrando que é essencial fazer a desinfecção dos vegetais antes de consumir, matando microrganismos contaminantes.
DL – Há algum jeito de perceber, na hora da compra, diferenças entre um alimento que recebeu agrotóxico e outro que não?
Maykon - Às vezes, aquela abobrinha tortinha, com uma imperfeição, ou aquele tomate que não está totalmente liso, podem ter recebido uma carga menor de agrotóxicos. Nos produtos orgânicos é muito comum verificar essas imperfeições. Às vezes, a demanda por agrotóxico é muito alta, pois nós, os consumidores, queremos os produtos mais perfeitos, lisos, grande e sem imperfeições na nossa prateleira.
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