Outra realidade triste é que 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento / Divulgação
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“Para além do número de crianças que não possuem o nome do pai na certidão de nascimento, há também todas aquelas que têm o nome no registro, mas não a figura paterna. A configuração familiar atual está longe do tradicional, e cabe à educação trabalhar isso de forma correta”. A fala é da arte educadora Julia Bertollini.
Júlia sente na pele o que é estar inserida neste cenário: mãe solo, ela usou as redes sociais nesta semana para questionar a postura da escola onde seu filho estuda em relação à comemoração do Dia dos Pais. De acordo com ela, a unidade de ensino entrou em contato por meio da agenda escolar perguntando se ele iria querer comprar um presente para o pai.
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“Desde que o matriculei, todos estavam cientes que ele tinha um pai ausente. Ignorei o recado e a professora entrou em contato comigo perguntando se ele não iria participar. Avisei que não e no outro dia recebi outro recado. Além disso, meu filho chegou em casa com um cartão para entregar para o pai. Ele é muito novo, ainda não entende. Mas e se já entendesse? E se aquilo o machucasse?”, conta.
Na visão dela, as escolas ainda não possuem empatia para lidarem com situações como esta. “Eu entrei em contato, pedi uma reunião para conversar sobre o assunto e me disseram que ‘só porque o meu filho não tem pai eu não posso atrapalhar o evento das outras crianças’. Falaram ainda que eu deveria trabalhar essa questão com ele. Pretendo fazer isso, claro. Mas ele só tem dois anos. Chegaram a perguntar se eu gostaria de entregar o presente para o avô, mas na minha visão os papéis que cada familiar representa na criação do meu filho estão bem definidos. A lacuna da ausência do pai sempre vai existir e nem eu e nem ninguém conseguirá suprir”, desabafa.
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Limitações
A publicitária E. M. sofreu, na infância, com a ausência do pai nas atividades alusivas à data. “Meus pais se separaram quando eu tinha dois anos. Eu não tenho muitas lembranças dele na minha infância. Eu lembro que quando eu tinha uns oito anos uma professora me obrigou a fazer uma lembrancinha de Dia dos Pais e eu disse que não ia fazer porque eu não tinha pai e ela me mandou fazer para o meu avô. Eu bati o pé e disse que meu avô não era meu pai. Chamaram minha mãe e pediram para me colocar em uma terapia, mas minha mãe achava que era bobeira”, conta.
Mais tarde, ela descobriu que sofreu alienação parental e que o pai tentou conseguir a guarda e não conseguiu. “Precisei fazer terapia para entender tudo o que aconteceu. Conheci meu pai com 18 anos, aos 20 ele teve um AVC hemorrágico e quando eu tinha 22 ele faleceu. Tivemos pouco tempo juntos para recuperar toda uma vida e isso pesa até hoje”, conta.
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Já Cauana Donat entende hoje a importância da presença paterna: embora tenha o registro do pai na certidão de nascimento, ela foi criada por uma mãe solo. “Meus pais são separados desde que eu tenho nove anos, e quando ainda estavam casados ele já não fazia o papel de pai, o que tornou minha mãe uma mulher sobrecarregada que teve que criar os filhos sozinha. Nós crescemos e continuamos a não ter essa participação dele nas nossas vidas, sempre muito omisso, um pai de final de semana”, conta.
Hoje Cauana vê a paternidade de outra forma. “Meu marido é o oposto. Divide igualmente a criação do nosso filho, está mais que presente e tem essa consciência de que é uma responsabilidade nossa. Eu sei que o que ele faz não é mais do que sua obrigação, mas também sei que é uma exceção a regra, regra essa que vivi toda a minha vida como filha de um pai sem pai, praticamente”, desabafa.
5,5 milhões sem o nome do pai. No Brasil, 5,5 milhões de crianças não possuem o nome do pai na certidão de nascimento. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011.
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