'Um tema marcante para a Região Metropolitana é a questão da mobilidade' / Matheus Tagé/DL
Continua depois da publicidade
A Baixada Santista possui mais de 300 mil pessoas morando em áreas consideradas precárias – com pouco ou nenhum acesso a serviços e infraestrutura. Interligados, os nove municípios da região comungam de problemas semelhantes, no entanto, a busca por soluções ainda caminham isoladas. A implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano está entre as principais preocupações das cidades.
Neste Papo de Domingo, o Diário do Litoral conversou com o arquiteto e urbanista Rafael Ambrósio. Ele, que é professor das faculdades de Arquitetura da Universidade Católica de Santos (UniSantos) e da Universidade Paulista (Unip), aponta a mobilidade e o planejamento urbano como os principais desafios dos municípios.
Continua depois da publicidade
Diário do Litoral – Como você avalia a situação do desenvolvimento urbano na Baixada Santista?
Rafael Ambrosio – A Região Metropolitana da Baixada Santista tem um problema que, na realidade, é parecido com as demais regiões metropolitanas do Brasil. A gente vem lá da Constituição de 1988 que atribui as responsabilidades para os municípios e delega para os estados constituírem regiões metropolitanas, mas sem criar um espaço de gestão do poder público para tratar de questões metropolitanas. Fica um vácuo de gestão que impede que as políticas públicas metropolitanas sejam colocadas em prática.
Continua depois da publicidade
Diário do Litoral – O que engloba o desenvolvimento urbano?
Rafael Ambrosio - Quando a gente fala no desenvolvimento urbano, a gente fala no desenvolvimento social, econômico, urbanístico e ambiental das áreas urbanas. Qualquer tema correlato a questões referentes à melhoria da qualidade de vida, das pessoas que moram em cidades, entram no desenvolvimento urbano. A palavra desenvolvimento só por ela não traz solução. A gente ouve, por exemplo, que construir prédios na orla e verticalizar traz desenvolvimento. Pode trazer desenvolvimento econômico para quem vende, mas o desenvolvimento social e ambiental, do ponto de vista da qualidade de vida e dessas políticas públicas que vêm junto e que deveriam ser pensadas conjuntamente, só pioram.
Diário do Litoral – Deste tema, qual a demanda que mais preocupa?
Continua depois da publicidade
Rafael Ambrosio - Um tema marcante para a Região Metropolitana é a questão da mobilidade. A gente tem polos geradores de empregos como Santos e Cubatão com as indústrias, o porto e uma área de serviços muito grande. Enquanto isso temos cidades dormitórios como Praia Grande e São Vicente, que acabam trazendo contingente diário de pessoas que vêm para essas cidades trabalhar e voltam para a origem dormir. As pessoas precisam ir e voltar de uma cidade para outra trabalhar porque os seus municípios não tem condições de absorver essa mão de obra. A própria dinâmica urbana dos municípios, e ai a gente entra em outra tema, também poderia ajudar a diminuir esses outros problemas. Por exemplo, Santos está revendo a Lei de Uso do Solo, que empacou por questões de divergências com o setor da construção civil que não quer perder privilégios nos índices urbanísticos e continuar produzindo esse tipo de edificação que a gente em aqui. Uma das ideias era dar incentivos para permitir que se construam áreas comerciais nos térreos como é o Gonzaga e Copacabana, no Rio de Janeiro.
Diário do Litoral – Tendo em vista o grande número de pessoas morando em assentamentos precários na Baixada Santista o planejamento habitacional também é uma pauta séria do desenvolvimento urbano.
Rafael Ambrosio - Tirando Santos, que tem população considerável morando em áreas de cortiço, os problemas que caracterizam a segregação sócio espacial e que empurram as pessoas para áreas distantes e sem infraestrutura são as mesmas lógicas não só da Baixada, mas do Brasil inteiro, que é uma coisa que a gente chama de ‘nó da terra’. A terra é vista como uma mercadoria que dá muito lucro, e que o poder público tem dificuldade, quando tem interesse, de fazer uma reforma urbana. A gente pode pensar em democratização do acesso à terra através de políticas que estão consagradas em lei desde o Estatuto da Cidade. Na lógica do mercado, quem acessa é quem tem poder de compra. Se você não tem recurso para comprar um imóvel pelo mercado, você não tem como acessar qualquer espaço de moradia digna. Históricamente quais são as áreas que as famílias de baixa renda ocupam? As áreas que não têm valor de mercado: encosta de morro, palafitas (...).
Continua depois da publicidade
Diário do Litoral - Santos tem a maior favela em palafitas do Brasil e não se tem mais áreas onde construir. Como se consegue resolver esse problema?
Rafael Ambrosio - Não se resolve problema de produção de moradia se não houver política urbana que viabilize terreno. É lógico, a coisa vai se agravando de um jeito que fica difícil pensar em uma solução a curto prazo. Essa coisa de que Santos não tem terra é um pouco relativa pensando na dimensão do deficit habitacional. A gente tem alguns terrenos vazios, que se produz começa a fazer um movimento de ir, aos poucos, integrando essas pessoas à cidade. Só que precisa mexer no preço da terra. O problema é metropolitano e, dependendo de como se pensar essas políticas, a gente tem alguns exemplos.
Diário do Litoral – O que falta para os municípios, em especial Santos que é dividida entre áreas extremamente verticalizadas ou precárias?
Continua depois da publicidade
Rafael Ambrosio - Todo discurso da construção civil tem uma pegadinha por trás. Nos conselhos de Desenvolvimento Urbano a palavra é que tem que verticalizar porque não tem mais área para crescer. Se esse setor construir habitações de mercado popular, com preço mais acessível, com planta menor, não só na orla, estaria povoando a cidade. Mas com a lógica construtiva que temos, onde os edifícios são grandes - 15 andares um ou dois apartamentos por andar. Quanto maior a renda menor a família. Nos bairros da praia, os prédios são enormes, e com poucos apartamentos, para famílias pequenas. As áreas mais verticalizadas são mais ocas e estão mais vazias. A tendência é aumentar. Densidade construtiva não quer dizer necessariamente densidade populacional. Estamos fazendo é uma cidade oca, vertical e superadensada onde não é verticalizada, que são justamente onde estão as áreas irregulares.